A Fé, a Vontade e a Coragem

A Fé, a Vontade e a Coragem

Tenho buscado de todas as formas, preservar na minha vida de Poeta e Militante, mas sobretudo, na minha vida de educador popular, esta trilogia que defendo ser imprescindível ao trabalho profético-militante. Sem essa trilogia não pode haver poesia e sem poesia a fé definha, a vontade cansa e a coragem esmorece. Já não falamos mais assim de militância, mais de trabalho forçado. Já não falamos mais de fé, mas de ideologia apenas. Já não temos mais coragem, apenas instinto. A militância quando substituída por trabalho forçado torna-se um perigo. Porque o povo se torna objeto de manipulação. A coragem quando limitada ao instinto reduz a fé a um ideologismo ateísta e vingativo. Nesta situação o “eu” e o “meu” na prática, abortam o “nós” e o “nosso” e numa relação desingraçada – sem graça – anti-dialética onde, separados, os primeiros falam, falam..., nos cansam de tanto falar. Não convencem ninguém, nem a eles mesmos ou a quem fala por eles, tudo para que os outros não sejam ouvidos. Este é o principal objetivo. O silêncio do outro. São incapazes neste contexto de gerar mudança, porque além de jamais mudarem a si mesmos, seus ideólogos têm como meta maior, combater quem pensa diferente. Educar, para eles, por mais que digam sempre o contrário, é domesticar. Ensinar a pensar como eles pensam.

Logo na introdução do Dicionário Paulo Freire seus organizadores dizem, “Igualmente, o desafio de uma educação progressista é construir alternativas aos processos domesticadores da indústria cultural, que busca homogeneizar as formas de pensamento e alienar nossas consciências diante da realidade que constitui nosso ser no mundo” (STRECK, REDIN e ZITKOSKI, 2010, p. 20). Quem age ao contrário, construindo guetos, difamando e eliminando os diferentes, domestica e não liberta, padroniza tudo a partir de sua própria absolutização da verdade. E quando se faz isto em nome de Paulo Freire, da educação popular e da libertação dos oprimidos, aí é patologia. Haja Fé, Coragem e Vontade. Afastar-se destes laboratórios de “experiências” onde os fins justificam os meios, é sinal de serenidade.

Acontece que o lugar da militância é ocupado pela tarefa. O(a) militante assume o papel de tarefeiro(a). Esta, ao contrário daquela, não exige planejamento sério, efetivamente participativo, basta o instinto e a “vontade” de lutar, basta saber agitar, desagregar, o que é muito diferente de desacomodar. Basta saber destruir, o que é muito diferente do desconstruir freireano. Para a função de tarefeiro(a), não precisa ser educador(a). Basta ter disponibilidade, não é preciso amorosidade, nem disciplina, ou capacidade de conviver com a alteridade. Basta ter tempo e “vontade” para viajar e dormir fora, o que é absolutamente diferente de ter vocação para o serviço e coragem para correr riscos. Não sabe e não quer saber o que é o “Que Fazer” freireano, a tarefa lhe faz entretido(a) e é o que seu instinto pode ver e executar. O professor Danilo Streck em artigo sobre este tema freireano, “Que Fazer” no Dicionário Paulo Freire, por ele organizado, tem um significado de “Que Fazer” que nos ajuda a entender este conceito, “O Que Fazer freiriano implica na construção de uma pedagogia da libertação (...)” (AUTÊNTICA, 2010, p. 336). Neste sentido, sim, está muito além da tarefa, do “meu” grupinho “sagrado” e merecedor privilegiado dos desvios de recursos e tempo. Para cumprir uma tarefa pode ser qualquer um. Como o interesse não é o de quem a cumpre, mas de quem manda cumprir, a relação é de obediência e não de libertação.

Para quem é educador(a) popular, militante e não se prende às tentações do tal poder que envenena as “Boas Intenções”, desvia os propósitos, desmonta os coletivos e faz fracassar bons projetos e respeitadas instituições, a Fé é a maior de todas as exigências. Neste contexto é que a Fé, a Vontade e a Coragem, sempre juntas, lideradas pela Fé, claro, porque separadas elas até são fáceis de ser encontradas, são determinantes. Acontece que, a Fé sem a Vontade e a Coragem é quase uma fornicação; a Vontade sem a Fé e sem a Coragem, é mero instinto, não, precisa de militantes. Bastam-lhes aventureiras(os) sem causa e sem fé, tarefeiros; e a Coragem sem a Fé e sem a Vontade vira força bruta, terror que amedronta o povo. Truculência. A educação, sobretudo uma que se diga popular, freireana, libertadora, precisa nos colocar dentro da roda da vida. Não pode ser na “rodinha” de meus amigos. Além disto, tem que fazer nos vermos girando nesta roda, aprendendo e ensinando. Entrando e saindo em cada fase do processo educativo e saindo sempre diferente. Mais humilde, mais amoroso, mais compreensivo e compassivo, menos arrogante. Menos manipulador e, portanto, menos violento. Vejamos o que diz o professor Danilo Streck, em outro artigo seu no Dicionário Paulo Freire,

Para compreender o conceito de manipulação, em Freire, é preciso entender a relação política e pedagógica estabelecida com as classes populares. Relação que envolve oprimidos e opressores no interior de um país, entre países e que pode está presente, também na relação entre os oprimidos e os que com eles se comprometem, (STRECK, in DPF, 2010, p. 252).

Talvez se diga: entre os que dizem que se comprometem, porque em nome do diálogo, da dialética, da esperança e da libertação, também se oprime. Como ainda nos lembra Danilo Streck, “Do ponto de vista dos estudantes, um professor dialógico que é incompetente e que não é sério provoca conseqüências muito piores do que um educador `bancário` sério e bem informado” (STRECK in DPF, 2010, p. 362). A pergunta que decorre automaticamente desta afirmação é: é possível ser dialógico sem  ser sério e competente? Quem só tem vontade vive morrendo de inveja de quem tem fé, como se fé fosse uma força mágica. Quem só tem coragem é kamikaze, morre sem saber por quê? Mas sempre mata alguém antes. Quem tem fé, como esta aqui mostrada, necessariamente é movido por uma vontade cheia de coragem e não tem medo de recomeçar. Ter fé é está cheio de vontade de mudando-se mudar mundo. É está cheio de coragem de correr os riscos que a mudança exige. Inclusive o risco de ser ignorado.

Curitiba, 02 de Abril de 2012. 

João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.
Educador Popular e assessor das CEBs-Pr
Assessor na Arquidiocese de Curitiba da CF2012
Mestrando em Teologia pela PUCPR.
[email protected]
(41) 9865-7349 – TIM.

Referências: 

STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime (Orgs). Dicionário Paulo Freire. Belo Horizonte; Autêntica, 2ª Ed. 2010.