O Império da covardia no Reinado da indecência

A liberdade só existe quando conquistada todos os dias. A democracia só existe quando exercitada por todos/as e em todos os momentos. Um líder democrático, capaz de lutar com e por seu povo, não nasce dos conchavos das elites e nem vem do meio delas. Ou é construído e reconhecido no lento processo da vida, na luta do dia a dia, com os cheiros da gente, ou sempre será contra nós. A gente tinha certa convicção, alguns diziam até ter certeza de que a nossa democracia, mesmo que representativa, e em fase de esgotamento, estava consolidada. Que nosso país, nestes trinta e poucos anos de democracia, mas, sobretudo, nos treze anos que antecederam o ano de 2015, estava confirmando sua vocação de nação democrática, sem miséria e de povo brasileiro, e, portanto, não seria mais facilmente molestado por golpes e por traições de suas elites mesmo que sempre medíocres, mesquinhas e covardes. Engano. Ledo engano. Na primeira tentativa e com relativa facilidade, o congresso, predominantemente composto por corruptos e covardes, sob os holofotes do poder mais imundo do país, representado pelos donos dos meios de comunicação, os coronéis “modernos”, e claro, com acovardamento vergonhoso da suprema corte, o poder mais autoritário e cheio de privilégios, juntos, em nome de seus próprios interesses, deram um golpe sórdido e covarde na nossa adolescente democracia. Eles são sempre capazes de surpreender. Hora com tocaias, hora com acordos, mas na hora de dá o golpe, estão sempre juntos. Até parecem irmãos. Bem dizia Amós, o profeta de Técua, nas proximidades de Jerusalém (760 a. C.), “Eles odeiam aqueles que se defendem na porta e têm horror de quem fala a verdade. Porque esmagam o fraco, cobrando dele o imposto do trigo. Eles poderão construir casas de pedras lavradas, mas nelas jamais irão morar. Poderão plantar vinhas de ótima qualidade, mas do seu vinho não beberão” (Am 4, 10-11). Como eles podem fazer estas coisas?

Levar coercitivamente um homem com a dignidade, com a idade, com o caráter e com a história democrática do ex-presidente Lula, um presidente popular e carismático, sem se quer, ser intimado antes!  É algo inaceitável em qualquer situação, contra qualquer pessoa que fosse. É uma covardia republicana, é uma violência, eu diria, sem precedente na história de nosso país. Apenas comparável ao cinismo covarde que divulga áudios, frutos de grampos ilegais entre um ex-presidente e uma presidente em exercício. Já seria um crime hediondo contra qualquer anônimo, igualmente. O império da covardia nas instituições, como “virtude” de seus membros, que fazem um teatro tupiniquim para poder iludir o povo, dizendo que estão combatendo a corrupção. Na verdade, conforme temos visto, está mesmo é naturalizando a corrupção como política de Estado. Só que, para isso, é preciso eliminar quem não concorda. Como explicar, ou justificar, ou até mesmo entender, o fato de uma presidenta eleita democraticamente, na verdade, reeleita, ser atingida na sua dignidade humana e de servidora pública, ser cassada do mando, e quase três anos após o início deste golpe sórdido e covarde, contra a democracia e contra o país, não existir, se quer, um processo contra ela? Aliás, não existe nenhuma acusação ou denúncia de corrupção ou de prevaricagem, enquanto pelo menos oito em cada dez de seus algozes, têm, não apenas um, mas vários, processos chocando ou mofando nas gavetas dos cúmplices. Enquanto alguns deles, têm imagens com cenas de crimes, circulando nas redes sociais, que dariam tranquilamente, um Longa Metragem, eles insistem em querer condenar a quem não conseguem prova alguma de ilícito. Porém, a prática tem sido essa, para não comprometer a continuidade do golpe, os acusados vão compor o governo.  

Prender dentro de um hospital e levar coercitivamente para depor, enquanto acompanhava a esposa em situação gravíssima de saúde, na UTI, como fizeram com um homem público honrado e respeitado nacional e internacionalmente, como o ex-ministro Guido Mântega. Só para criar factoides na mídia covarde, mas cúmplice do crime, e do governo, e fazer o terror, fazendo parecer que a justiça é séria e para todos? Ainda humilhar essa família, expondo-a no horário nobre, indiferente a sua dor, sem se quer, intimar o seu membro antes, o que significa que não houve recusa de presença para depor. Isso seria uma iniquidade em qualquer esboço de democracia.

Promover um espetáculo puramente vingativo, por causa de inocentes insinuações de denúncias contra o império das comunicações e da ditadura midiática do país como fizeram o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho? Imobilizado em cima de uma maca, recebendo soro na veia e se estrebuchando, querendo se libertar, só para as câmaras mostrarem a humilhação e mais uma vez enganar o povo, dizendo que isso é justiça. Isso soa como um recado, olhe o que acontece com quem ousa me enfrentar! Pouco importa, até aqui se qualquer uma destas pessoas praticaram ou não algum crime. Essa não é, inclusive, a preocupação de quem age assim. Contra qualquer pessoa, em qualquer rabisco de democracia isso seria abominável. Não se quer provar culpabilidade de ninguém com estes gestos, mas esconder as próprias fraquezas e intenções. E acobertar crimes maiores. Só que dos amigos. E como acréscimo, eliminar adversários.

Desmoralizar publicamente, difamar, depois prender sem provas, só com as convicções, um intelectual, um gestor público, e um líder democrático, com a história e a liderança de Zé Dirceu? Só porque é inteligente, é eticamente irrepreensível ao ponto de jamais aceitar a negociata covarde e torturante de fazer delação premiada fazendo falsos testemunhos contra seus companheiros de luta, de vida e de sonhos! O Zé conheceu o Frei Tito e sabe que “É preferível morrer, a não merecer estar vivo, a perder a vida”. É por isso que as ditaduras e os ditadores, os golpes e os golpistas, têm uma clara preferência para perseguir. Preferem perseguir os jovens, os inteligentes e os que têm caráter. Os que não se rendem. Estes não se vendem, não delatam, não mentem e não fazem falso testemunho. Os covardes nunca vão entender isso. Nunca vão entender como alguém é capaz de morrer – ou dá a vida – pela verdade, pela justiça, por amor. Os medíocres não suportam os humanos mais desenvolvidos humanamente. Os corruptos não conseguem conviver com os honestos. Sempre se juntam, se unem para eliminar o inimigo comum, aquele que não aceita entrar no “esquema”. Eles consideram a honestidade um desvio de conduta. Pensam exatamente o oposto. Os covardes também não toleram os que têm coragem e se arriscam pelos valores que defendem. A história atual de nosso país, é um laboratório para se pesquisar caráter e outro valores.

Como podemos permitir que deixem a serviço das organizações criminosas, dos maiores corruptos e corruptores do país, a mídia oficial, o parlamento, a câmara e o senado federal, e ainda, as câmaras de vereadores das capitais, as assembleias legislativas estaduais, assim como a suprema corte, condenando quem não se rende ao sistema corrupto, e garantindo impunidade para quem faz parte da organização criminosa que saqueia o país? Inclusive, dando-lhes atestado de bons serviços prestados ao país. Deixar que desviem os recursos públicos da saúde, da educação, da assistência social, da previdência, e do saneamento básico, para comprar o silencio e a conivência dos meios de comunicação, propagadores de mentiras e maldades contra a ingenuidade e a inocência do povo, convencendo-o de que, excluir os mais obres e extinguir direitos básicos é cortar privilégios. Como poderíamos classificar politicamente um povo que aceita ser “governado”, violentado e destruído em seus sonhos e em suas possibilidades, por um presidente moribundo eticamente, envolvido em tantas denúncias, com os amigos mais próximos e os principais ministros covardemente protegidos por seus cargos de inúmeras acusações – algumas com vastas provas públicas – com praticamente 100% de reprovação? Como podemos permitir que os recursos dos projetos e das políticas sociais que tiraram o país do mapa da miséria, agora sirvam para comprar parlamentares e apoio de governadores de Estado, geralmente envolvidos em denúncias de corrupção?

A covardia vira metástase quando grande parte dos mesmos covardes que extorquiram o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, durante anos, talvez por décadas, agora o põem na cadeia, com quase noventa anos de idade. Só para tentar enganar o povo dizendo que é combate à corrupção, que é a justiça agindo. Que nada, é o reinado da covardia! Enquanto a iena em forma de mídia canta essa aberração, os ladrões vão enchendo as malas e as sacolas, e as contas e até as casas de dinheiro público roubado. E não dá nada! E tudo isso com a conivência de um Estado covarde, corrupto e corruptor. Mais uma vez, não importa aqui o que fez ou deixou de fazer o ex-governador, mas o uso que se faz de alguém que talvez tenha sido útil em outros tempos, mas que já não lhes serve mais. A não ser para legitimar a covardia e a indecência de “homens” que não sabem para que servem decência, caráter e dignidade. O que significa essa covardia oficial do Estado brasileiro, em um de seus maiores consensos, justamente para defender a naturalização da corrupção e da desigualdade social como política prioritária de governo?  Lamentavelmente a covardia está levando a extinção também a profissão de jornalista. Conta-se nos dedos de uma mão e ainda sobram dedos, os jornalistas que existem nas emissoras e se mantêm capazes de manifestar a sua opinião. Ou mesmo apresentar um fato como ele ocorreu. Mostram sempre docilmente a versão editada e que atende aos interesses de seus patrões. De fazer análise crítica, com liberdade e autonomia. Denunciar? Nem se imagina! Predominam os porta-vozes que apenas vomitam os interesses, as palavras e os pensamentos de seus patrões, que geralmente, estão em sintonia com os valores que recebem em recursos públicos para falar bem de quem não presta. E ainda de quebra, difamar quem pensa diferente deles. Por que não mostraram as multidões de argentinos nas ruas gritando contra a reforma (deforma?), da previdência lá? Ao contrário, mostraram e repetiram, o presidente golpista moribundo, parabenizando o presidente argentino pelas reformas. Isso é uma covardia e uma indecência.

A justiça apodreceu e não serve mais nem para adubar o chão, o que significa dizer que dela, não nasce nada que preste, nem mesmo outra justiça melhor. A bactéria da covardia está se mostrando mutante e contagiosa, capaz não só de apenas infestar um órgão, mas de migrar de um órgão para outro, e assim levar o corpo à uma falência mútua de órgãos. O legislativo já com quatro quintos de seu corpo em estado de decomposição ética, moral também perdeu a noção de dignidade. Decência lá, hoje, nem se pode falar, porque é quebra de decoro. O mesmo ocorreu com o executivo federal, que hoje, objetivamente, tem como primeira função, garantir fórum privilegiado a delinquentes o que, na atual situação de desavergonhamento do comando do país, equivale à imunidade. A garantia de impunidade. Chega a causar azia no estômago da alma ler e reler, ouvir repetidas vezes, os áudios, os vídeos, os documentos literários que compõem as fichas de “suas excelências”, a maioria com a cara cheia de rugas, mas sem um pingo de vergonha. A maioria com suas cabeças grisalhas, e com uma ficha corrida de fazer inveja ao Fernandinho Beira-Mar, ao Marcola ou qualquer outro detento tido como perigoso, e que vive nas tais prisões de segurança máxima. E, como se tudo isso não bastasse, continuam roubando e praticando delitos a partir de seus cargos. Agora, o que causa ânsia de vômito cívico no esôfago da dignidade cidadã, é ter que ouvir a cada dois ou três minutos, a criminosa propaganda – criminosa porque mentirosa e também fruto de uma covardia coletiva -, dizer: “Governo Federal, Ordem e Progresso”. É mais ou menos como justificar a tortura, ou mesmo a morte por apedrejamento, na fogueira ou na cruz, como em defesa da paz. Essa covardia se generaliza pelos Estados, agora, em benesses em troca de apoio ao governo golpista e afundado em corrupção. Como enfrentar e superar a violência quando o Estado é violento? Quando a violência da exclusão econômica é a política do Estado que tem na corrupção a metodologia de sustentação? Como enfrentar e superar a violência quando a justiça, a partir das mais altas Côrtes, funciona como álibi para o crime organizado e esconderijo para os criminosos?

Curitiba, 23 de Dezembro de 2017

João Santiago.
Teólogo, Poeta e Militante.
Autor do Livro “Entre o Sol e a Lua – Um Eclipse de Amor e Poesia”
Em breve à venda com o autor.
É Mestre em Teologia e Especialista em Assessoria Bíblica.

AnexoTamanho
Image icon foroprivilegiadocharge.jpg69.73 KB