Os mortos na chacina do Rio somos todos e todas nós!

Quem são os mortos na chacina do Rio nesta quinta-feira 21 de Julho de 2022? Somos todos e todas nós

A violência estrutural está instalada e legitimada no Brasil, agora não mais por um discurso de ódio e por uma intolerância sistematizada e proclamada como “discurso patriota” nas Redes Sociais, mas como uma prática política e de governo. O capitão-morte e sua legião de demônios fanáticos estão agindo, matando e mandando matar. Para eles não é suficiente o “deixar morrer”, seja por falta de vacina, como foi com a pandemia; ou por falta de comida, como acontece hoje a mais de 35 milhões de pessoas em nosso país; ou por abandono estratégico nos hospitais e nos postos de saúde, sem atendimento e quando este vem, sem exames e remédios. Os vinte por cento de seres humanos que não deram certo, ao menos numa perspectiva cristã e democrática, tão frequente e falsamente utilizada pelos mensageiros da morte, ganharam voz, palanque, armas, munições e dinheiro (do orçamento secreto?) para financiar seus crimes. E por que não deram certo? Porque se recusam a mudar de mentalidade, se recusam a ver o que olham, a escutar o que ouvem e a pensar o que dizem e fazem.

São muitas as formas de se entender os acontecimentos e são muitos também os jeitos de se expressar os sentimentos que nos movem. Aprendemos com os cancioneiros, poetas e líderes das Comunidades a dizermos na mais genuína linguagem cristã, quando a violência mata e se torna a forma de resolução dos conflitos que: “Mataram mais um irmão!”. A nossa história republicana recente-atual enfiou-nos goela abaixo a mais cruel, fria e inaceitável expressão que diz, “Mais um CPF cancelado!”. Esta, por sua vez, é a mais genuína forma de linguagem do mundo do crime. É uma espécie de “mantra” das milícias que não têm problemas, porque resolvem os possíveis conflitos “eliminando o CPF” tirando a vida de quem incomoda ou ameaça incomodar. Essa é a principal marca deixada pelo atual “governo” brasileiro.

Os delinquentes se sentem à vontade para ameaçar deliberadamente e como temos visto e até para cumprir suas ameaças. Vejamos essas, "Eu vou dar um recado para a esquerda brasileira, principalmente para o Lula: ô desgraçado, bota o pé na rua que nós vamos te mostrar o que nós vamos fazer com você. Anda com segurança armada até o talo, que nós da direita vamos começar a caçar você, essa Gleisi Hoffmann, esse Freixo frouxo do cara***, todos esses que te cercam, vagabundo”, diz o bolsonarista no vídeo que foi derrubado pelo Instagram e Facebook.  (Blog Brasil 247, 22/07/2022). Este, ao menos este, está preso. Até quando? Não se sabe. Mas, e os outros? Com que justificativa se põe em dúvidas se esses crimes prometidos e cometidos por essa não gente, são ou não são crimes políticos?  Quem tem essa dúvida? A quem interessa essa narrativa? Foi assim que eles fizeram com o Frei Tito; com Santo Dias; com Chico Mendes; com o Padre Josimo; com Margarida Alves; com Irmã Dorothy; com Marielle; com Dom Phillips e Bruno Pereira; com Marcelo Arruda. A lista é infinda!

Estes não são apenas “CPFs eliminados”. São vidas tiradas, sonhos interrompidos e até que se prove o contrário, pelo Estado. É inevitável a constatação de que são quase todos jovens! Não que a morte injusta de não jovens seja menos cruel ou mais aceitável. Não é isso.

- Bruno de Paula Costa – 38 anos - Cabo-PM
- Letícia Sales – 50 anos – Baleada no peito, dentro do carro
- Fernando Nascimento Silva – 28 anos
- Roberto de Souza Quimer – 38 anos
- Emerson de Sousa Teixeira – 26 anos
- Bruno Neves Leal – 28 anos
- Gabriel Farias da Silva – 23 anos
- Anderson Luiz Bezerra Fonsêca – 21 anos
- Diego Barbosa da Silva – Sem idade informada
- Marcs Paulo Nascimento da Silva – 22 anos
- Wellington Moura da Silva Júnior – 17 anos
- Luiz Cláudio Rezendo Lopes Júnior – 28 anos
- Bruno Luís Soares da Silva – 32 anos
- Jhonatan Vitor Ferreira Nunes – 21 anos.

São mais que simples vítimas de um Estado violento e criminoso, sustentado pela cultura da morte, que fomenta a transformação da polícia em milícias oficiais. São mártires da democracia. Todos morremos um pouco...

Dos 18 assassinatos (homicídios?) confirmados com corpos, que morreram no local estes são os 14 que até agora foram identificados pelo Instituto Médico Legal, quase todos jovens com menos de 30 anos e a maioria negra. (Relação e informação encontrada no site UOL, em 22/07/2022. Lembremo-nos que o capitão-morte disse certa vez em entrevista, “um filho meu jamais se casaria com uma negra, pois foram muito bem-educados e não cometeriam essa promiscuidade”. Em qualquer sociedade ou país ou nação com instituições sérias e com uma população consciente, este crime hediondo teria consequências imediatas...

Além de nenhum pronunciamento digno das “autoridades”, o que banaliza e legitima o ato de matar não apenas como solução para a resolução de conflitos, mas também como Política Pública de Segurança do Estado. “É assim mesmo!”, dizem esses imbecis que num ato de imbecilidade coletiva foram eleitos. Significa não apenas a omissão do Estado, mas a sua cumplicidade e ainda reforçado pelo horroroso desprezo pelas vítimas e por seus familiares. Nem mesmo recolhidos foram os corpos, já que, pelo visto, inexistiu a tentativa de socorro, pois foi a população que transportou os corpos em seus carros particulares. Quando a gente pensa que o Estado brasileiro chegou ao fundo do poço, aparecem as milícias cavando e descendo ainda mais. Os grupos de extermínio, os esquadrões da morte, os chamados matadores de aluguel, que a gente chegou a pensar que fossem desgraças do século passado, ressurgem agora, empoderados, incentivados, armados e principalmente financiados. É preciso investigar, a partir de diversos indícios já temos em mãos das autoridades que ainda merecem este nome, qual a relação deste Estado criminoso com o maldito, repugnante e desgraçado “Orçamento Secreto”. Se é com recursos públicos, por que é secreto?

Fala-se de uma operação feita a partir da “inteligência” das polícias civil e militar. O que significa “inteligência” para a polícia?  Qual é a parcela da polícia que serve e se serve dessa “inteligência?”. A formação de “cidadãos de bem”, como este preso em Minas Gerais, autor da frase seguinte, é a partir dessa “inteligência?”. Assim disse o autointitulado “cidadão de bem”, que serve a um projeto terrorista hoje idealizado, estimulado, pregado e comandado pela política do governo. Vejam: “(...) mas principalmente esses vagabundos do STF. Se eu fosse você, Barroso, Fachin, Fux, Moraes, Lewandowski, Mendes, eu ficava nos EUA, em Portugal, na Europa, até vocês duas, vad***, Cármen Lúcia e Rosa Weber, sumam do Brasil, nós vamos pendurar vocês de cabeça para baixo. (…) Nós cidadãos de bem não toleramos gente escrota como vocês. (…)”. (fonte, Blog Brasil 247 em 22/07/2022). Que barbaridade! Qual ou quais dentre os desparlamentares milicianos dará ou darão prêmios e farão homenagens aos policiais que cometeram essa chacina? Ou a este “cidadão de bem” que supera todos e quaisquer limites de respeito e de liberdade de expressão, ferindo a dignidade de seres humanos e de instituições? Sim, porque agora é assim, os maiores criminosos são homenageados nas casas legislativas e mais que agraciados com o prêmio da impunidade, eles são condecorados com honras republicanas.

O nosso país tropeçou nas fracas pernas de sua anêmica democracia e foi ao mesmo tempo empurrada pelas fortes mãos – sempre manchadas de sangue - da direita capitalista que além de corrupta por natureza, é homofóbica, racista, antipobre e incapaz de expressar sentimentos como fraternidade, compaixão e empatia. E principalmente avessa à democracia. Isto a faz capaz de qualquer coisa para parecer que é hegemônica. Até usar a extrema direita que, apesar de ser a sua inspiração, ela não quer ser vista ao seu lado, para fazer aquilo para que ela é mais e melhor preparada: dá golpes. Entramos no período das tragédias. Porém, longe das tragédias gregas, nós temos o próprio estilo de tragédia e ele se expressa em atos políticos criminosos, sempre mostrando o quanto as elites que não se suportam, sempre se juntam, se o objetivo é dá um golpe. O termo “Tanatologia” deriva da língua grega e do termo “Thanatus”. Para a mitologia grega é o nome dado ao Deus da morte. É este o Deus que estar, neste momento, acima de tudo? “Credo di si!” Diria o meu amigo Italiano.

A modernidade, no entanto, deu voz e lugar à biopolítica, através de muitas inteligências amorosas, entres elas Michel Foucault e Paulo Freire e a América Latina e de modo especial o Brasil, após a sangrenta e assassina ditadura que perseguiu, prendeu, exilou, torturou e matou uma quantidade de homens e mulheres até hoje não sabida com precisão, deu início à democratização. A sensação que tínhamos era que tudo estava dando certo. Liberdade, esperança, oportunidade e inclusão. Até que no meio das nossas esperanças semearam o ódio, que costuma crescer rápido com o adubo da intolerância e da indiferença. A ditadura fruto de um golpe sórdido das elites inescrupulosas e de militares megalomaníacos em 1964, deixou muito explícito de que essa não gente é capaz. Olhando a partir de hoje e da realidade atual, dá-nos a impressão de que nós nos esquecemos disso, ao eleger a escória de nossa sociedade – porque não dizer de nossa espécie? -, seja na política, na religião ou na área militar, na pessoa do capitão-morte que de tão medíocre e violento representa com esmero e faz os mais profundos desejos das “elites” brasileiras. A tanatologia modificada geneticamente à moda do agronegócio, fez-se tanatopolítica: política de morte. Expressa sobretudo na pandamia na modalidade do “deixa morrer” e do negacionismo burro e covarde.  Alguém já foi injustamente preso para não ser eleito, alguém quer ser injustamente reeleito para não ser justamente preso. Lutemos por um Brasil Para Todos e Todas!

Curitiba, 22 de Julho de 2022 – sexta-feira.

João Ferreira Santiago
Professor de Teologia na Faculdade Unina
Doutorando em Teologia pela PUCPR
É Teólogo, Poeta e Militante.

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