As CEBS, o Décimo Quinto Encontro Intereclesial e a Perguntatória como Hermenêutica da Caminhada Profética da Igreja Povo de Deus
“A Pastoral do Equilíbrio será a construtora de uma ponta entre alguns abismos que por vezes desfiguram o profetismo da catequese”. (SANTIAGO, 2020, p. 43)
Venho aqui, ao encontro de vocês, em forma de texto para perguntar e para despertar novas perguntas. Por isso, venho perguntando. Como anda o nosso lado perguntador na Igreja? (At 8,30). E nas CEBs? (At 8,31). Você que está lendo este texto agora, costuma perguntar mais ou é mais perguntado? O que é a Igreja, de fato, hoje para você? Como você responderia à esta pergunta para alguém? Por vezes, frente às turbulências e as calmarias na Igreja, entre um e outro destes dois momentos, vem-me a impressão de que a Igreja, não existe, a não ser como uma pluralidade de Igrejas. Inclusive, falando línguas diferentes, fazendo orações diferentes, buscando objetivos diversos e até contrários, mas sobretudo, e isso me deixa inquieto, servindo a diferentes deuses. Assim mesmo, no plural. E o que as CEBs têm a ver com isso? Primeiro, o novo, nasce de perguntas novas. Sem as perguntas, aliás, sem as novas perguntas, o novo não nasce, sequer, germina. As CEBs têm como imperativo ético assumir o posto de exegeta e se hermeneuta para que se “Facilite o juízo da Igreja”. (DV nº 12). As CEBs devem fazer e fazer muitas perguntas.
Acontece que as CEBs estão às vésperas do 15º Intereclesial que escolheu como tema: “CEBs - Igreja em Saída na busca da Vida Plena para todos e todas”. Aqui está a raiz da profecia. Aqui está o DNA da Espiritualidade das CEBs, como o jeito novo de ser Igreja. E, para que se tenha Vida Plena, existem ao menos dois pressupostos: o primeiro que seja para todos e todas; e o segundo é que se seja Igreja plenamente. O que as CEBs entendem por Igreja em Saída? E o que significa para as CEBs Vida Plena? Assim, como o trovão e seu barulho nada perigoso, mas assustador, chega aos nossos ouvidos sempre depois do relâmpago, este sim carregado de perigos, o lema que vem após o tema, cai como um raio profético para uma Igreja frequentemente pouco condutora de energia profética. “Vejam! Eu vou criar Novo Céu e uma Nova Terra!”. (Is 65, 17ss). Vejam! São expressões simbólicas que ao serem repetidas, quase tornaram-se mantras. Na perspectiva de Ricoeur (2006, p. 226), “estes símbolos não se tornaram metáforas mortas, tão mortas como o pé da cadeira?”. Terá o 15º Encontro Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis - MT, a coragem e a vontade de ressuscitar a força profética destes símbolos e destas metáforas? Oxalá, tenham.
O Texto Base do 15º Intereclesial nos enche de esperanças e já na apresentação diz: “Enfim, este texto quer nos ajudar a ter olhos de profetas e profetisas, que saibam reconhecer que nesse tempo Deus continua presente no meio de nós e nos guia na construção do Reino”. (RODRIGUES, (Org.), 2022, p. 9). Este é um ponto de partida novo, mas ainda idealizado apenas. Porque o clero centralizou tanto as decisões e colonizou de tal forma as mentes do povo e o próprio Evangelho, que ouvir (ler) isto nos reanima, nos enche de esperança. Terá o 15º Encontro Intereclesial a capacidade de, na linha proposta pelo Papa Francisco e seguida, na prática, por uma parcela ínfima do clero, nos fazer encontrar o caminho da Sinodalidade? Cantaremos finalmente um canto novo, embora com letra e melodia tão antigas? “Agora é tempo de ser Igreja, caminhar juntos, participar!”. Assumiremos a partir do 15º Encontro Intereclesial que somos a Igreja e não da Igreja como são os bancos, as portas e o tapete? Sigamos nos perguntando... Como ser Igreja e como alcançar a Plenitude de Vida, com tanto preconceito contra a Comunidade LGBTQIA+? Como caminhar juntos, demonizando, inclusive, frequentemente nas homilias, as Igrejas não cristãs, por exemplo? Como ser Igreja Povo de Deus no mundo (LG 9)? E “Mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização” (GS, p. 7), naturalizando as mulheres como seres de terceira categoria? Já que os homens héteros, brancos, leigos e obedientes e de posses, ocupam a segunda categoria?
Como aprenderemos com Paulo de Tarso e sua eclesiologia da casa, da Igreja Doméstica? Conversando com Arbiol (2018, p. 33), “as cartas de Paulo foram escritas como textos de situação, isto é, como respostas concretas às circunstâncias de determinados destinatários que vivem problemas específicos, que se faziam perguntas particulares, que tinham, enfim, necessidades próprias!” No entanto, nós continuaremos com duas possiblidades: continuarmos fingindo que não vemos o que vemos, que não é bem assim, que a Igreja existe apenas para rezar, que uma hora dessas o Espírito Santo agirá, ou dizermos com Carias (2023 p. 50), “portanto, o caráter sinodal, perpassa todas as realidades da ação pastoral de uma paróquia. Vamos continuar a identificar outros aspectos”. Entre outros aspectos, está, certamente, não apenas identificar, mas agir de um novo modo. E segue Carias: “Não estamos mais na época de gastar grandes somas em dinheiro para construir catedrais, mas de gastar tempo e energia no essencial, e, evidentemente, também recursos econômicos para aprimorar o trabalho evangelizador”. (p. 77). Quais são as circunstâncias dos destinatários determinados e quais são os seus problemas específicos e as suas necessidades próprias, hoje? Quem deverá responder a estas perguntas hoje?
Interpretando e traduzindo em palavras a partir da realidade vista com as minhas lentes e do meu ponto de observação, é que faço estes questionamentos. Longe de querer dizer que estas são as questões mais importantes, quero apenas provocar os nossos sentimentos para que façamos as perguntas – outras perguntas – essenciais. Qual o lugar que será dado pelo 15º Intereclesial as Teologias Periféricas que estão por aí fazendo brotar novas eclesiologias que, por sua vez, são igualmente periféricas, uma vez que não cabem nas liturgias, nem nas homilias e tampouco nos sacramentos ensinados como ponto de chegada da evangelização da Igreja? Quais seriam estas teologias e estas eclesiologias periféricas? Feminista; das diversidades; das juventudes; Afros; indígenas; ecológicas... quais outras? Vamos pensar sobre estas necessidades próprias e sobre estes problemas específicos?
A hermenêutica africana pede passagem e exige um lugar de dignidade na Igreja. Mas também e sobretudo, as hermenêuticas dos Povos e das Comunidades Tradicionais. À esteira de Oden (2022, p. 36): “Os cheiros, sabores, sons, a música e a arte desses crentes parecem muito distantes da nossa realidade. As ruínas das basílicas da África primitivas parecem muito distantes dos espaços onde vivemos. Será que são?”. O cristianismo de nosso tempo precisa aprender ou reaprender lições fundamentais de suas origens com os Povos e com as Comunidades Tradicionais. Por exemplo: como viver em comunidade? Como cuidar do planeta? Como educar as novas gerações ensinando-lhes o pertencimento mútuo e recíproco? Como resgatar a espiritualidade libertadora do cristianismo nascente? Todas estas questões e outras que nós, sobretudo os/as delegados e delegadas do 15º Encontro Intereclesial das CEBs, deveremos nos ocupar. E segue Oden: “A música da África antiga não ecoa em nossos corações. Ou ecoa? A cadência dos ritmos das orações dos africanos primitivos não ecoa em nossos corações. Ou ecoa?” (ibidem).
Seguindo a linha de Schniedewind (2011, p. 277) que, ao comentar a passagem de Lucas 11,52 , faz o seguinte comentário, “Pode-se também traduzir essa expressão por “vos apoderastes da chave do conhecimento”, ou seja, eles se apossaram daquilo por meio do qual outros poderiam alcançar o conhecimento”. Eis uma questão fundante e fundamental para as CEBs como jeito de ser Igreja. Quem impede hoje o povo de chagar ao conhecimento das Escrituras Sagradas?
Curitiba 04 de Julho de 2023 – Terça feira.
João Ferreira Santiago
Teólogo – Poeta e Militante.
Doutorando em Teologia pela PUCPR
Coordenador Estadual do CEBI-PR.
Referências Bibliográficas
- ARBIOL, Carlos Gil. Paulo na Origem do Cristianismo. SÃO Paulo: Paulinas, 2018.
- BÍBLIA. Tradução Ecumênica da Bíblia – TEB – São Paulo: Loyola, 1994.
- CARIAS, Celso Pinto. Por uma Paróquia Sinodal - Projeto Pastoral. Petrópolis-RJ: 2023.
- ODEN, Thomas C. Quão Africano é o Cristianismo? São Paulo: Quitanda, 2023.
- RICOEUR, Paul. A hermenêutica bíblia. São Paulo: Loyola, 2006.
- RODRIGUES, Solange dos Santos – (in memoriam); FRIGÉRIO, Tea - Irmã; VIDAL, Vileci Basílio – Padre. Etal. Texto Base do 15º Intereclesial das CEBs. Rondonópolis-MT: CEBs do Brasil, ed. 2022.
- SANTAGO, João Ferreira. Teologia Pastoral - A Arte do Seguimento e do Discipulado de Leigos e Leigas. São José dos Pinhais-PR: NVC – Talher – Gráfica e editora, 2020.
- SCHNIEDEWIND, William M. Como a Bíblia tornou-se Livro. São Paulo: Loyola, 2011.
- VATICANO. Concílio Vaticano II. Constituição Dogmática DEI VERBUM – Sobre a Revelação Divina. São Paulo: Paulinas, 4ª ed. 1998. Pastoral do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no Mundo de Hoje. São Paulo: Paulinas, 10ª ed. 1998.
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