CEB's em Curitiba: uma vida de histórias e uma história de vidas

 

Organização: Este artigo foi idelizado e sugerido pelo Grupo de Reflexão da Arquidiocese – GRA – das Comunidades Eclesiais de Base na Arquidiocese de Curitiba no Paraná. Organizadora: Francisca Neta Virgínio Santiago.

INTRODUÇÃO

O objetivo principal e central deste trabalho é reunir informações e dados da formação das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs - na Arquidiocese de Curitiba. Formação aqui tem duplo sentido e significado. Em primeiro lugar a formação das próprias CEBs, no sentido de construção e organização destas comunidades de base dentro do território da Arquidiocese. O que motivou e motiva a formação e a existência destas comunidades? Quando elas surgiram e em que contexto sócio-político-econômico-eclesial elas surgiram? Qual é afinal o seu legado e se ainda existem, como estão?

Em segundo lugar, mas não com menos importância, vem a formação das lideranças dentro destas comunidades. Qual é a metodologia usada nesta formação? Quais são os conteúdos fundamentais estudados, aprendidos e apreendidos nesta formação? É, portanto, reunir através do testemunho, que se dará por relato escrito, de lideranças que vivenciaram e vivenciam este importante processo formativo e profético. É certo que as CEBs têm uma história de profecia, de resistência e de evangelização, mas na Arquidiocese de Curitiba, existem poucos registros desta história. Esta preocupação, assim como a iniciativa de torná-lo real é do Grupo de Reflexão da Arquidiocese de Curitiba – GRA que se reúne durante estes anos uma vez por mês, para planejar as ações, rezar e refletir.

Neste primeiro passo, que certamente será seguido por outros passos, que juntos se farão uma caminhada, teremos os testemunhos de cinco lideranças. São testemunhos diversos, mas que se unem no essencial. São três mulheres e dois homens, um dos quais, é Padre. O Padre Michelangelo Ramero, Italiano da região de Piemonte, província de Cúneo, hoje com setenta e oito anos. E o outro, é José Vilto Hoffmann, é leigo, casado, hoje com sessenta e nove anos de idade, chefe de família, pai e avô. Ingressou nas CEBs 2

em 1972 e permanece até hoje engajado. Na verdade, descobriu-se nas CEBs nesta data, mas sempre esteve e viveu em comunidade. É uma testemunha viva de uma longa história de fé, ainda pouco registrada, mas muito significativa na formação de três gerações de lideranças. Principalmente pela metodologia feita de diálogo e movida pela esperança. As três mulheres também apenas têm em comum a fé e a esperança que as move, o amor e pertença às Comunidades Eclesiais de Base. No mais prevalece a diversidade, a pluralidade e as diferenças.

A primeira é Risoleta Boscardin, professora, assessora por muitos anos do Centro de Estudos Bíblicos – CEBI – por longos anos, de várias dioceses, entre elas a de Juazeiro, na Bahia, sua terra natal e de Curitiba, aonde chegou em 1973,

A segunda é Lucimara de Oliveira Camargo, a Mara das CEBs, como é registrada nas Comunidades da Vila São Pedro, sobretudo a REX, de Curitiba e do Paraná. Começou seu engajamento, como diz ela mesma, aos quatro anos de idade, após a migração do interior do Paraná para Curitiba. É uma educadora popular, formada, ou melhor, forjada na caminhada das CEBs. É, como tanto se falava, uma animadora das comunidades. Coordena as CEBs no Estado do Paraná há bastante tempo e participou intensamente dos Intereclesiais estaduais e nacionais. Pela combinação de juventude e experiência é uma história viva das CEBs, sobretudo da Arquidiocese de Curitiba. Hoje, assistente social, faz a diferença na defesa dos direitos humanos, com ênfase na adolescência-juventude, onde tem um carisma especial, mas também, das mulheres. Mara é hoje uma biblioteca viva das CEBs na Arquidiocese de Curitiba.

A terceira é Salete Bagolin Bez, curitibana da gema, já nasceu dentro de uma comunidade. Até hoje não sabe como é morar longe de uma comunidade. Como nos diz Salete,

"grávida, com marido, dois filhos e um cachorro", e mora até hoje. É uma testemunha de resistência, perseverança e fé. Hoje, aos sessenta e nove anos, é um exemplo de profetiza amorosa, cujo sorriso e simpatia, assim como a paixão pelo Reino, não têm mais que vinte anos. "Toda essa vivência desenvolveu e fortaleceu em mim ainda mais a Esperança num mundo melhor, onde todos podem ser mais gente, onde o que importa é o SER de cada um e não o TER". Salete aprendeu a falar e a caminhar nas CEBs, por isso, a exemplo de Mara e de Risoleta, difícil imaginar uma sem logo ver as outras duas, essa pertença às CEBs. Hoje, concluindo o curso de história, tem uma história que daria um curso. Seu depoimento-testemunho é emocionante pela autenticidade, pela paixão que 3

transmite. Fala das CEBs, como quem fala de sua própria vida. Na verdade elas se confundem mesmo.

É por tudo isto que este documento tem tanta importância. Mais que representa e pretende do que por ele mesmo. Pretende ser uma referência para essa nova geração pós Concílio Vaticano II, pós a queda do Muro de Berlin e pós a Conferência de Aparecida. Quando o Documento de Aparecida diz que as Paróquias,

"São chamadas a ser casas e escolas de comunhão", (DAp nº. 170), uma "Rede de Comunidades", (DAp nº. 172), este documento pretende mostrar que assim são as CEBs, desde antes do Concílio Vaticano II. Ele é o início da sistematização de uma vivência. É um registro qualificado dos acontecimentos. Carece de continuidade e será difícil impedir que ela aconteça, dada a urgência e importância de ter esta história registrada. Seja para a Igreja, seja para a sociedade como um todo. Que ele possa chegar a todos os cantos e telhados e iluminar essa nova geração, carente de testemunhos e de referências como estas que aqui se apresentam.

1 – As CEBs fazendo a história e o povo fazendo as CEBs

(Visão e Testemunho de Lucimara de Oliveira Camargo)

1.1 - O que motivou o ingresso na Comunidade e há quanto tempo participa.

Participo das comunidades de base desde os meus quatro anos de idade. Quando chegamos a Curitiba logo viemos para a Vila São Pedro, mas especificamente na comunidade Rex da Paróquia São Pedro Apóstolo e esta foi a igreja comunidade que me acolheu com toda a minha família. Sempre fomos muito bem acolhidos, logo viemos a participar da catequese, os meus irmãos de grupo de jovens e desde menina já estava envolvida com eles junto aos grupos de jovens, participando dos festivais das comunidades, nos passeios das comunidades e foi assim que a cada dia mais fui me encantando por este jeito de ser igreja - povo de Deus. Todos sempre nos sentíamos em casa, como família, e as celebrações sempre aconchegantes, animadas, cantos cheios de energia e impulsionamento para a luta... Os cantos foram os grandes motivadores da minha participação. São letras que não passam em nossas vidas sem deixar uma reflexão. Todos que ali participavam ficavam cheios de vida e encantados com este jeito de ser igreja em que o padre era mais um companheiro, um animador a ajudar o povo a se organizar enquanto igreja. Todos tinham vez e voz. O que mais me encantava era que 4

todos tinham algo a contribuir, desde arrumar a igreja que era sempre bem organizada até a distribuição de todos os serviços como catequese que tínhamos um grupo muito comprometido, a liturgia muito bem preparada e organizada a onde todos se envolviam e participavam... E isto tudo sempre me motivou a estar e a viver em comunidade, este foi o jeito de igreja que conheci e aprendi a amar...

1.2 - As atividades que uma liderança desenvolve.

Já participei bem mais. Hoje estou junto com alguns companheiros e companheiras na coordenação das CEBs da arquidiocese procurando ser fermento na massa, levando em frente este sentimento gostoso que sinto em fazer parte das CEBs. Já fui catequista há muitos anos, assessora da pastoral da juventude em nível de paróquia e em nível de setor Pinheirinho. Já fui animadora pastoral das 15 comunidades da Vila São Pedro, durante 10 anos, já ajudei nas escolas bíblicas nas comunidades enfim ajudo aquilo que posso... Participo das celebrações e acompanho os grupos de jovens na medida do possível... Mais do que atuar em alguns serviços procuro estar a serviço das comunidades no que faz necessário.

1.3 – As principais dificuldades percebidas e sentidas.

Acredito que a grande dificuldade hoje ao resgatar este sentimento de irmandade vivido nas CEBs, a essência das CEBs que são a partilha e comunhão fraterna. O sistema neoliberal vem tomando conta da vida das pessoas e até mesmo na Igreja as pessoas vão se tornando individualistas. Cada uma quer saber do seu grupo, do seu trabalho, estes são mais importantes que o todo, enfim, a maior dificuldade é o dialogo entre as pessoas, os diferentes. Como ser Igreja num mundo tão diverso sem perder a essência da fé em Jesus? Mas o Jesus comprometido com a vida e vida de todos os seres humanos, com a natureza, com o reino que seja amplo e não um pedacinho de alguns. Acho que levar este cristo libertador, comprometido e lutador está bem mais difícil hoje frente ao sistema social, político e econômico que vivemos. As pessoas se fecham no seu mundinho, nos seus problemas e não se abrem ao exemplo das primeiras comunidades cristãs. Acho que este jeito de ser Igreja "pop star", igreja show, faz com que as pessoas se olhem, olhem pra frente ou para o alto e esqueçam de olhar para o lado e enxergar no outro a dimensão maior do amor e luta pela vida plena, a onde a felicidade não seja momentânea ou superficial. Como ser Igreja que se organiza e que busca a libertação, a felicidade. 5

1.4 – O que existe de semelhança e diferença na forma de organizar a Comunidade dos anos 80 e atualmente.

Acho que já trouxe alguns elementos na questão acima, mas vejo que nos anos 80 o contexto histórico era outro, as necessidades eram outras e as pessoas se percebiam muito mais, a luta era coletiva, o sonho era coletivo, e isto fez com que muitas comunidades realmente fossem sementeiras de lideranças e que surgissem tantos movimentos sociais, como a luta pela moradia, a luta por saúde, por transporte, por saneamento, enfim era uma luta como dizia em atos dos apóstolos, partilhavam o pão nas celebrações da vida e a cada dia o senhor acrescentava outros que iram aceitando a salvação - a organizações de base... (At. 2,42-47). Nas comunidades se reuniam para partilhar a vida e as necessidades do povo. Hoje se reúne para fazer as orações por necessidade, mas outras mais espirituais, cada uma quer ter seu jeitinho de falar com Deus e muitas vezes não enxergam Deus na vida do outro. A ligação fé e vida sinto que distanciou... a diferença para mim está justamente na relação que temos com Deus, um Deus humano que sinto a sua presença na minha vida ou um Deus distante no alto. Precisamos resgatar este Deus amor, mas um amor comprometido com a vida, e não fragmentá-lo ou querer enxergá-lo tão distante que não possamos tocá-lo. sentí-lo, amá-lo... E isto só é possível quando conseguimos sentí-lo e amá-lo no irmão.

1.5 - O que caracteriza o sentido de pertença nas CEBs e como os participantes se identificam com essa forma de atuação comunitária.

Acredito que o que caracteriza a pertença às CEBs são a escuta da Palavra de Deus encarnada na vida do Povo, quando conseguimos não só ouvir, mas trazer o que Deus tem a nos dizer no cotidiano da vida, isto nos faz ser comunidade, colocar os pés no chão e a cada dia mais querer estar junto com o povo, a enfrentar os desafios , a se fazer presente na luta. A fé neste Cristo libertador nos faz ser Igreja, como diz o Padre Miguel

"Vocês que não eram povo, agora são povo de Deus", entender esta dimensão evangélica nos leva a pertencer a uma igreja que nos indica o caminho... Eu sou o caminho a verdade e a vida... (Jô 6, 35). É esta vida que buscamos e acreditamos nas CEBs... E como diz a música Jesus Cristo me deixou inquieto com as palavras que ele proferiu, nunca mais eu pude olhar o mundo sem sentir aquilo que Jesus sentiu... Não dá para se sentir o mesmo quando ouvimos e sentimos o que Deus tem a nos dizer. Isto em nossa vida e na vida das pessoas e do mundo que esta a nossa volta. 6

1.6 – Como se dá a participação nas CEBs atualmente.

Na teimosia, na persistência e na fé impulsionadora. As CEBs hoje em Curitiba são vivenciadas de diferentes formas, algumas como as primeiras comunidades cristãs, outras nas suas ações e no jeito de amar e estar junto ao povo. Como Igreja de Curitiba, nos reunimos enquanto CEBs e partilhamos a certeza de uma igreja viva e comprometida , viva e atuante nas bases, no quarto sábado do mês tem o Grupo de Reflexão das CEBs. E no segundo Domingo do mês a Equipe de Apoio que reúne um grupo de pessoas que movidos pela fé e animados pela palavra de Deus continuam acreditando e fazendo acontecer esta caminhada. A caminhada tem sido marcada por muitos desafios, mas muitos momentos riquíssimos de espiritualidade e amor ao projeto da vida... Na certeza que vamos realizar o projeto de Deus... Pessoas de fé, de garra e de uma espiritualidade profunda... Na certeza de que somos gente "nova vivendo o amor, somos comunidades povo do senhor", e que buscamos ser Igreja que se organiza, gente oprimida buscando a libertação, pois na comunidade a gente alegre canta, aprendendo e vivendo a palavra santa, e que viemos para incomodar.

2 -

(Visão e Testemunho de José Vilto Hoffmann)

As CEBs são o verdadeiro jeito da igreja ser...

2.1 – Resposta à carta do tempo que passa ao tempo que fica

Em resposta a sua carta sobre Comunidades Eclesiais de Base, em Curitiba e no mundo, sobre minha visão. Então, amigo, gostaria de começar dizendo que a minha participação nas CEBs começou em 1972, participando nos grupos de base, que se reuniam para rezar, com testes bíblicos incluindo a realidade da vida do povo do lugar em que morava, com suas necessidades e coerências, - que eram muitas naquela época -, tendo em vista o tempo da ditadura militar. Mas a gente entendeu e percebeu que estas comunidades cristãs começaram muito antes, pois começaram com Jesus quando Ele começou a escolher e formar seus lideres (Mc1, 16-20), que na verdade de lá para cá, de uma forma ou de outra, sempre existiram. Agora eu vejo nossa Igreja local, ou seja, a nossa Igreja de Curitiba, talvez se pudesse dizer uma Igreja muito santa, com boas 7

prioridades, até um bom esforço para curso de preparação para a participação, mas eu acho que são cursos, muito dedicados ao espiritual, como renovação carismática, movimentos de louvor, shows espirituais, que tudo isso não deixa de ser bom e importante. E quem promove esses eventos também os chama de comunidades e na verdade, são comunidades, mas não são CEBs.

2.2 – A diferença entre comunidade e CEBs: o diálogo e a inserção

Eu acho que em Curitiba temos algumas "figurinhas" de CEBs se olharmos do jeito da Igreja católica, mas as CEBs não se limitam apenas na Igreja, porque CEBs é o povo de Deus, (DAp. nº. 179). Se levarmos em conta o documento de Aparecida (DAp. Nº. 209) a gente ver que o leigo está inserido na sociedade, também as diretrizes da Igreja da CNBB, (doc. nº. 94, nº. 17, p. 25), nos alertam para que o leigo discípulo missionário está inserido na sociedade. O Concílio Vaticano II nos abriu as portas para a liberdade de expressão, direito de participação na Igreja como membro ativo participar, de opinar, anunciar, denunciar e ser presença, um autêntico filho de Deus com seu jeito, suas virtudes e qualidades. Eu vejo um líder na comunidade como alguém que gosta de fazer parte de alguma organização, independente do credo, raça ou partido político, mas que busca justiça, liberdade, igualdade nos direitos sociais. Então, o caminho que leva ao sucesso destes princípios, sem dúvida é o diálogo. A gente estando em clima de diálogo, tudo vai bem, pois neste clima a gente ouve, pensa, analisa, reflete e vai se descobrindo o que há de certo e errado na vida do povo e também na nossa. No diálogo ninguém se coloca acima ou abaixo de alguém, todos têm seu direito e sua vez e alegria de participar. No diálogo aumenta a esperança que incentiva para a luta de mudança, conquistas que levam as pessoas a se sentirem valorizadas como cidadãs no mundo social e cristão. Com essa esperança a gente acolhe as pessoas como parceiras e companheiras de caminhada, a gente se sente acolhido como amigo, irmão, nos grupos em que participa e atua.

Eu me sinto feliz quando estou em um grupo de diálogo, seja em debate ou estudos religiosos, ou seja, em sentido popular, ou político, conselhos de várias naturezas, organizações como associações de moradores, CECOPAM

2 e tantos outros movimentos que regeram a participação popular principalmente de pessoas voluntárias. Assim dentro deste campo de atividade as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)

2 CECOPAM: Centro Comunitário e de Proteção Alimentar Pe Miguel.

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podem e devem agir e contribuir para um mundo de libertação e salvação, que nos propõe o Concílio Vaticano II. Com a minha liderança pessoal dentro das atividades nunca foi muito a minha preocupação, pois quando convidado e acolhido a ser membro do grupo eclesial de base, eu nem imaginava o que tinha pela frente. Mas cada encontro de diálogo que acontecia eu percebia o quanto tinha por ser feito para que este mundo mudasse para melhor. É assim no debate e nos estudos que vinham acontecendo, foi surgindo a necessidade de lideres e a gente passou a ser integrante dessas lideranças o qual é um caminho para servir melhor.

2.3 - Quatro décadas de caminhada nas CEBs

Falando um pouco sobre minha vivência nas CEBs aqui em Curitiba, fazendo uma avaliação das quatro décadas que estou inserido, vejo uma grande diferença de uma época para a outra. Na primeira e segunda década, ou seja, as décadas de 1980 a 1990, as CEBs trabalhavam com mais empenho encima dos objetivos, que exigiam mudanças, principalmente no campo político, e nas mudanças da Igreja, que pedia mudança na hierarquia para o povo de Deus. Isso fazia a gente, ter opiniões e tomar decisões que muitas vezes traziam problemas, dificuldades no relacionamento com muitas pessoas amigos e até familiares. Depois de 1990 em diante acalmou esse clima de radicalizar. Mas eu acho que devemos renovar e valorizar o trabalho das CEBs, porque se naquele tempo era necessário ser radical para alcançar mudanças, hoje também não faltam motivos para lutarmos por mudança. Acho que a Igreja Católica de Curitiba, através de seus pastores e lideranças, precisa agir mais na prática no meio do povo, para ouvir e conviver mais concretamente, sentir seus anseios e com seu conhecimento, animar, orientar, o seu povo na luta de fé-vida. Eu às vezes fico um pouco triste quando se fala muito em igualdade, solidariedade, fraternidade, campanhas com os pobres e, no entanto há muito discurso e pouca ação. O diálogo é muito, é muito importante, quando se conta várias experiências e aberto a todos, no mesmo interesse.

3 – O ser humano é um ser da esperança

(Visão e Testemunho de Salete Bagolin)

3.1 – O sonho e a esperança na vida em abundância

O ser humano por sua natureza é movido pela Esperança, na maioria das vezes ele recorre à própria esperança. Até dizem em um velho ditado que "a esperança é a última que morre". Continuamente estamos renovando nossas esperanças: a esperança num mundo melhor, a esperança em passar no vestibular, em ser curado, em conseguir um novo emprego, em encontrar um bom companheiro para dividir a vida, em ganhar na mega sena, enfim, espera-se sempre o melhor pra vida.

Nas Comunidades Eclesiais de Base não foi e não é diferente. As lideranças são movidas igualmente pela Esperança, por isso são pessoas lutadoras, batalhadoras, sonhadoras, não o sonho ingênuo, mas o sonho de um mundo justo, onde todos e todas tenham vida e a tenham em abundância como quer Jesus Cristo (Jô, 10-10). A partir dessa Esperança que se renova dia-a-dia nas ações da comunidade e nas orações, se materializa, se constrói e se experimenta o Diálogo entre as lideranças, pois nas CEBs é fundamental a participação de todos (as). As decisões são tomadas no coletivo, são debatidas e busca-se o consenso ou ao menos, atender o que a maioria definiu. O Diálogo é um exercício constante, pois, numa sociedade que prega o individualismo, o comodismo, o "eu", o dialogar se torna um desafio que nas CEBs é extremamente perseguido por compreender que é no Diálogo e com a participação de todos (as) que se constrói verdadeiramente a nova sociedade.

O Diálogo é fundamental na missão da Igreja. As Comunidades Eclesiais de Base destacam-se da Igreja tradicional nesse sentido, pois as decisões são tomadas em comunidade, não por um líder, ou um pequeno grupo. Essa forma de organização faz com que os militantes sintam-se valorizados e protagonistas na mudança, não meros cumpridores de ordens. O fato das pessoas discutirem e participarem das decisões faz com que abracem com mais vigor as ações da comunidade e assumam conjuntamente a construção da história, na qual também são atores.

Pessoalmente, o Diálogo e a Esperança foram elementos fundamentais na minha formação. Ainda pequena acompanhava meus pais na vivência comunitária, nas celebrações, nas reuniões. Aprendi desde cedo que ouvir as pessoas era muito importante e que todos tinham seu saber, podiam opinar, dar a sua palavra.

Meus pais tinham pouco estudo, como a grande maioria das pessoas que vieram da roça pra cidade, porém, nunca foram cerceados de participar da comunidade e expressar sua palavra por causa disso, inclusive assumindo funções importantes de coordenação. Percebi que nas CEBs tem espaço para pessoas que tiveram 10

possibilidade de estudar e para os que não tiveram nenhuma possibilidade de estudar. O que é importante é a pessoa, a conversa, a opinião das pessoas, o Diálogo entre os participantes.

Toda essa vivência desenvolveu e fortaleceu em mim ainda mais a Esperança num mundo melhor, onde todos podem ser mais gente, onde o que importa é o SER de cada um e não o TER. Isso faz com que a gente tenha mais força e acredite sempre mais que realmente é possível construir outro mundo, mais humano, fraterno, acolhedor, justo. Penso que é por conta disso que mergulhei profundamente na vivência comunitária e para além dela, nos movimentos sociais, partido político por acreditar que essas são ferramentas que contribuem na construção da nova sociedade, ou se preferirmos, do Reino de Deus. Nas CEBs aprendi que a fé está intimamente ligada à vida, que não podemos nos calar, que é necessário defender a vida, sempre.

3.2 – aprendendo com as lições do passado

Quando lemos ou conversamos com pessoas mais velhas que iniciaram a história das comunidades nos anos 50, 60, 70, percebemos o quanto a vivência nas comunidades gerou vida e libertação. Já ouvi muitos relatos de pessoas simples dizendo que na comunidade aprenderam a ter vez e voz, que a partir da participação aprenderam a exigir seus direitos frente ao patrão, frente ao Estado, isso é maravilhoso, é sinal de libertação.

Percebo que esse Diálogo e Esperança geram vida e libertação. Quando lemos ou ouvimos os militantes das CEBs partilharem como foi dura a realidade no período da história recente do nosso país que foi a ditadura militar. No momento em que se tinha que calar, as CEBs ensinavam a falar a não temer, porém de forma inteligente "se fazendo de bobos", se organizando. Quando ninguém esperava, o povo estava organizado em sindicatos, associações, partido político, clubes de mães exigindo seus direitos, com voz profética.

Isso é apenas um pontinho de muito que se vivenciou nas comunidades e que, com certeza fortaleceu a Esperança do povo de que um mundo melhor é possível. Porque acredito, sigo avante.

4 – Diálogo e esperança gerando vida e libertação na formação das CEBS: visão e testemunho do Padre Miguel.

4.1 - O contexto sócio-político-econômico em que surgem as CEBS

De um lado, o sistema econômico desenvolvimentista avançando, privilegiando o lucro e o desenvolvimento das multinacionais e do agronegócio. Do outro lado, os pequenos agricultores, os posseiros, meeiros, os operários, os trabalhadores da cidade e do campo, sentindo-se pressionados e excluídos do sistema, começam a se organizar em vista de uma sociedade equilibrada. Duas forças antagônicas. Uma força, buscando privilégios, poder e riquezas para uma minoria. A outra, buscando direitos e vida digna para todos. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco. De 1964 a 1984 acontece o golpe militar e com isso a instauração da ditadura.

Foram 20 anos de perseguição, sequestro de pessoas, cadeia, torturas e mortes. No lugar da esperança, o desespero, no lugar do dialogo a ditadura. Lembram do slogan?: "Brasil, ame-o, ou deixe-o" O Brasil deles.

4.2 - Nascem as CEBs. Nesta noite escura, nasce uma brilhante aurora: Comunidades Eclesiais de Base – CEBs.

No campo, os pequenos agricultores, os posseiros, os expulsos de suas terras, pelo avanço do latifúndio, do agronegócio e das barragens, animados pela pastoral rural se reúnem em suas casas formando as CEBs. Nas periferias das cidades, os operários , desempregados, mulheres, meninos e meninas de rua, os negros, superam o anonimato urbano e descobrem o valor da união, da solidariedade, da amizade, da cooperação. Os pobres descobrem que existe uma grande esperança.

"Povo unido, jamais será vencido"

. Os poderosos têm o dinheiro e o poder. Os pobres têm a força da união, da organização e do dialogo. Os pobres se juntam para sobreviver, guiados por uma luz e fortalecidos pela energia divina. É a luz da Palavra de Deus! Descobrem nela o anúncio da PARUSIA. O sistema repressor acha que Parusia é um terrorista, um agitador, e vão a caça dele. Para os pobres, a parusia é a esperança, a utopia, novos tempos, nova terra, novo céu. É aí que encontram um grande amigo e lutador, Jesus, que diz: "Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem: eu venci o mundo" (João 16,33). Não tenha medo meu pequenino rebanho parque o Pai de vocês tem o prazer em dar-lhes o Reino, (Lc 12,23). "Eu vi muito bem a miséria do meu povo (...) Ouvi o seu clamor contra seus opressores, conheço o seu sofrimento. Por isso, 12

desci para libertá-lo" (Ex 3, 7). Um dia, o povo dos oprimidos, explorados e marginalizados, sai do Egito, de forma organizada, unidos, na luta para a conquista da terra prometida. Moisés é o grande líder. Hoje é Jesus quem se identifica com os perseguidos e oprimidos, os guia e anima. O testemunho de Jesus é decisivo.

Sem riquezas e sem poder, lutador incansável pela justiça e dignidade principalmente dos pobres, dos pequeninos, por isso é perseguido, preso, torturado e morto... Mas ressuscitou, com muito mais vigor, para nunca mais morrer. Quantos companheiros, sem riquezas, sem poder, mas ricos do espírito de luta incansável, pela justiça e pelos direitos, foram perseguidos, presos, torturados e mortos: Dom Oscar Romero, Irmã Doroty, Chico Mendes, Santos Dias, Margarida Alves, Adelaide, Pe. Jozimo, Frei Tito, Ezequiel, João Bosco... Mas eles continuam vivos. Suas vidas ceifadas se tornaram vidas em abundância para os que lutam.

Nos encontros realizados nas casas, os pobres começam a se conhecer, se tornar amigos, serem uma força e uma energia um para o outro e iniciam a caminhada juntos, neste vale de lagrimas, agora com esperança. A vida adquiriu um novo sentido. A fraqueza, se torna fortaleza, a pobreza se torna riqueza, o desespero da lugar à esperança, o que era morte, se torna vida. Viver em conjunto é sair do isolamento e da solidão, para uma vida em comunidade, onde reina confiança, dialogo, amizade, mútua ajuda, partilha, e lutas gloriosas. Até o relacionamento entre casais melhorou. O vício e a exclusão deram lugar à caminhada, à comunidade, à luta, ao compromisso com os irmãos, com a sociedade e com o planeta. A noite escura se tornou uma aurora resplandecente que anuncia um dia maravilhoso. Como canta Vera Lúcia:

"Irá chegar um novo dia. Um novo céu, uma nova terra, um novo mar. E nesse dia, os oprimidos, A uma só voz a liberdade irão cantar". Surgiram numerosos compositores, poetas e artistas que cantam as lutas e as conquistas do povo como João Santiago, Zé Vicente, Pe Zezinho... Como é verdade, que Jesus veio para que "tivéssemos mais vida e vida em abundancia".

4.3 - Os frutos da caminhada das CEBs:

A partir desta realidade, começam a surgir muitos frutos. Luta pela terra, reforma agrária. Luta pelo emprego, por um salário justo. Luta por saúde de boa qualidade, educação para todos, alimentação digna. Luta pelo transporte público, infra-estruturas nos bairros: água, luz, esgoto, ruas abertas e conservadas, segurança, moradia. Lutas de forma organizada, nos movimentos populares, associações, sindicatos 13

autênticos. Luta na política, organizando partidos que levem a bandeira das causas dos trabalhadores, com espírito participativo e comunitário, e por representantes autênticos e dignos do povo lutador. Resultado: As conquistas como Escolas, Postos de saúde, Creches, Linhas de ônibus salários melhores, Casa e terreno, para quarenta e cinco mil (45.000) famílias sem teto, criando o Bairro Novo. Quantos agricultores sem terra, hoje com terra, casa, trabalho, produção e dignidade. Quantos vereadores, deputados, senadores, governadores, até o Presidente da Republica, que honram o povo por sua fidelidade, dignidade e honestidade.

Uma igreja comunitária, participativa, libertadora, com os pés no chão da vida: fé e vida... Tudo isso, cantado pelo Zé Vicente, compositor popular:

Quando o espírito de Deus soprou, o mundo inteiro se iluminou. A esperança na terra brotou e o povo novo deu-se as mãos e caminhou... Lutar e crer, vencer a dor, louvar ao Criador! Justiça e Paz hão de reinar e viva o amor!

4.4 - As CEBs nos dias de hoje:

Chegamos aos dias de hoje 2011. Como está hoje a caminhada da esperança e do dialogo na formação das CEBs? As CEBs estão sempre numa caminhada e num processo evolutivo ondulatório. Como diz o canto:

"O povo de Deus no deserto andava, mas a sua frente alguém caminhava,

Também sou teu povo senhor e estou nesta estrada..."

Rede de CEBs nas paróquias. As organizações comunitárias da sociedade civil em Curitiba: as Padarias Comunitárias; os Clubes de Troca; as Feiras da Solidariedade; a Economia Solidária; o Movimento dos Sem Terra; Assentamentos e Cooperativas... Nas instituições e ONGs: Nos Sindicatos, CUT, Partidos Políticos comprometidos com a causa dos pobres, Candidaturas a cargos políticos em todos os níveis, participação nos conselhos comunitários: Conselho Tutelar, da Saúde, da Educação, da Ética na Política, 14

Hoje, o povo das CEBs, assume com coragem, segurança e esperança, os movimentos populares. Fórum Social Mundial, Assembleia na construção do Projeto Popular para o Brasil, Assembleia dos Lutadores do Povo, Luta contra a corrupção, Grito dos Excluídos, Romaria da Terra, Romaria dos Trabalhadores, Intereclesiais Regionais e Nacionais, Conselhos Diocesanos das CEBs,

Associações de Moradores, CEFURIA, CEPAT, CPT, CPO, CEBI, Escola Internacional Milton Santos-Lorenzo Milani.

4.5 - As CEBs no futuro

A Luta continua. CEB é caminhada, é um Processo contínuo, permanente e incansável. Rumo ao novo, a um Mundo Novo Possível, a um Novo Jeito de a Igreja Ser, para Mais Vida para à humanidade e o planeta. Rumo à uma verdadeira integração nacional, indo-americano, intercontinental e planetária. A cada dia que passa, o numero dos que estão a caminho da libertação é cada vez mais evidente. Recentemente a libertação da Tunísia, do Egito, da Líbia, e outros. Rumo ao Reino de Deus, tendo como centro a pessoa, a natureza, a vida, a justiça. Buscai Primeiro o Reino de Deus e a Sua Justiça, e Tudo o Mais Vos Será Acrescentado. (Mt 6,33).

5 - O DIÁLOGO E A ESPERANÇA NAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE EM CURITIBA: Visão e testemunho de Risoleta Moreira Boscardin

5.1 A Consciência do inacabamento como força que nos impulsiona para o Ser Mais

Meu entendimento do conceito de esperança se fundamenta na tradição judaico-cristã. Acredito que Javé, "esperança de Israel" (Jr 14, 8; 17,13) está presente na vida e nas lutas do povo. A esperança das Cebs é a esperança bíblica, consciente, assumida, perene, mesmo quando "Javé esconde sua face" (Is 8,17). Nas situações aparentemente sem saída, a esperança em Javé continua (Jr 29, 11-12).

Podemos dizer que o texto evangélico dos discípulos de Emaús (Lc 24), muito refletido e rezado nas Cebs, pode ser chamado de pedagogia da esperança mediatizada pelo diálogo. Para os discípulos, a esperança se enfraquece e quase desaparece diante da morte de Jesus (Lc 23,53). No entanto, o diálogo entre eles e um (até então) desconhecido sobre o acontecimento, muda a situação (Lc 24,13-24). Os discípulos tinham uma visão pessimista do fato (a morte de Jesus, que, para eles, era o fim). Contudo, o suposto desconhecido tinha outro ponto de vista, e o partilha.

O diálogo permite a escuta, o questionamento e a reflexão (Lc 24,25-26). O confronto com a PALAVRA ilumina a escuridão da realidade, prepara para o NOVO, o INUSITADO (Lc 24,27), que acontece quando a comunidade se abre, acolhe, celebra e partilha (Lc 24,28-31). Então a realidade transformada e assumida conscientemente impele para uma ação humana, um compromisso em favor da vida.

O diálogo é fundamental para que a PALAVRA não se perca, mas se encarne e realize sua função na comunidade. 15

A experiência do diálogo e da esperança que se vive nas CEB’s nos coloca na condição de "SER MAIS". Pela reflexão e pelos confrontos com os saberes históricos, com o conhecimento organizado e sistematizado que acontecem nos encontros

Como disse Olavo Bilac, "Não nasce a planta perfeita, não nasce o fruto maduro/ E para se ter a colheita é preciso semear". Trazendo para os nossos dias, Paulo Freire nos faz refletir sobre uma nossa própria condição: "O inacabamento do ser humano, ou sua inconclusão, é próprio da experiência vital. Onde há vida há inacabamento. Mas só entre homens e mulheres o inacabamento se torna consciente".

Essa consciência assumida impulsiona a pessoa a lutar por melhores condições de vida, saúde, habitação, educação, trabalho e justiça, para que possa "SER MAIS" gente, ser mais pessoa, ter sua dignidade de cidadão e cidadã filho e filha de Deus assumida, respeitada e reconhecida.

, nos cursos, nos seminários, nas celebrações e nos relacionamentos, as pessoas desenvolvem a consciência de que o ser humano não nasce pronto.

5.2 As diferenças a serviço da coragem de dar testemunho e lutar pela libertação dos oprimidos

Nesse bojo de vivências e convivências, de encontro e de buscas, também acontecem contradições e desencontros. As pessoas são livres para fazer as suas opções, tomar decisões a favor ou contra. Entretanto, não sei de outro espaço onde se apresentem tantas diferenças socio-culturais, políticas e ideológicas em superação pela generosidade, pela entreajuda, pela fraternidade e pela gratuidade.

É assim a esperança que percebo nas CEBs. Esperança que encoraja a luta, gerando vida melhor e libertação.

Minha visão de mundo e Igreja passou por uma transformação radical desde 1967, quando, aos 26 anos, participei de um curso no Instituto Superior de Pastoral Catequética (Ispac) no Rio de Janeiro.

Ali descobri a força e as possibilidades do diálogo na esperança de um mundo melhor, uma vez que as pessoas envolvidas podiam ter idéias diferentes, porém buscavam um acordo, um consenso.

Na época vivíamos em plena ditadura militar, e os agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e do SNI (Serviço Nacional de Informações) visitavam a biblioteca do curso à procura de material "subversivo", e tomavam conhecimento de toda a vida dos participantes dos cursos.

É claro que a Igreja passava de uma situação de autonomia e integração ativa (com o Estado – 1930-1964) para uma situação de conflitualidade permanente e antagonismo (até 1980)

A esperança era a alavanca que sustentava o sonho de uma nova sociedade, mais justa, mais livre e igualitária. A Igreja oferecia muitas vezes, e de muitos modos, apoio e "sombra" para as organizações populares e a formação de lideranças. 16

i.

No convento das irmãs Vicentinas no Rio de Janeiro, grupos de estudantes se reuniam para rezar, para estudar, para planejar e ensaiar teatros que pudessem apontar para uma nova consciência. Lembro de um desses grupos que queria encenar no teatro o poema "E agora, José?" de Carlos Drummond de Andrade.

Alguns daqueles jovens foram ao poeta pedir autorização para a encenação, e ele lhes disse que permitiria, desde que deixassem que fizesse algumas alterações no texto, pois estava velho e não queria sofrer repressão pela ditadura.

Quantas lideranças desabrocharam naquele momento histórico, saíram do Rio e se engajaram sem restrições nas diferentes Dioceses do Brasil a serviço da Igreja, das Comunidades e da Sociedade. Quanto apoio e quanta confiança na Irmã Bernadete Melo, mulher forte, corajosa, competente que abriu caminhos e foi luz na vida de muita gente.

5.3 A fé e a vida dialogando e gerando confiança e solidariedade na comunidade

Na diocese de Juazeiro (BA), onde trabalhei por 5 anos, seu primeiro bispo, Dom Tomás Guilherme Murphy, organizava cursos de lideranças nessa visão de Igreja Povo de Deus, para turmas de 40 a 50 jovens, homens e mulheres de diferentes lugares dos municípios e das periferias da cidade, para atuarem depois em suas comunidades de origem.

Esses cursos duravam 30 dias intensivos, com aulas teóricas e práticas sobre lideranças, tipos de lideranças, organização de grupos, princípios básicos de puericultura, primeiros socorros, preparação de hortas comunitárias etc.

Foi um período que marcou minha vida, porque, além do respeito às diferenças culturais, o diálogo era um elemento de aproximação, de descoberta e de aprendizagem nas trocas de experiências, na reflexão e no entendimento da Bíblia.

Cada jovem que participava desses cursos fazia a diferença em suas comunidades. Sentia-se valorizado, era reconhecido em seu meio, e prestava serviços voluntários.

Uma jovem, Geni, que vivia em um povoado onde não havia recursos médicos, e a cidade mais próxima ficava a 3 dias a cavalo, se encontrou em uma situação desesperadora. Um senhor da comunidade recebeu um coice de um cavalo acima do olho esquerdo, cuja pele despencou, cobrindo-o totalmente.

Diante da emergência, e com os conhecimentos adquiridos no curso de liderança, Geni não teve dúvida: suturou a testa daquele senhor, e ele se restabeleceu. A comunidade confiava no seu trabalho e na generosidade do seu coração.

Vim para Curitiba em 1973, grávida, com marido, dois filhos e um cachorro. "Trazendo no peito bastante saudade", na cabeça os conhecimentos adquiridos na escola, na Igreja, nos cursos, nos encontros, nos relacionamentos sociais, e no espírito a esperança no Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. 17

Apenas sabia (sei) quem sou, de onde venho, para onde vou, e o que espero da vida. Em Curitiba participei da primeira escola bíblica do Cebi (Centros de Estudos Bíblicos), assessorada pelo Frei Carlos Mesters; participei da coordenação da catequese na Arquidiocese, com a irmã Carmem Pulga (Paulina) e Padre André Biernaski. Assessoramos centenas de cursos, encontros e congressos de catequistas, e escrevi dois livros de catequese familiar junto com irmã Carmem.

Foram tantos os caminhos por onde Deus, em sua infinita bondade, me conduziu, que cheguei às Cebs de Curitiba – um jeito novo de ser da Igreja. Espaço aberto à participação de todos e todas, onde as capacidades pessoais são potencializadas, incentivadas e reconhecidas. A liberdade de expressão nas Cebs é sua marca registrada.

Em Curitiba tudo que é realizado pelas comunidades é antes planejado, discutido, analisado, refletido, partilhado e submetido à aprovação dos participantes na equipe de apoio, no GRA (Grupo de Reflexão da Arquidiocese) e nas pequenas comunidades. Todos podem dar sua opinião, todos podem falar e ser ouvidos democraticamente. Nas Cebs não existe um que manda e outro que obedece. A regra é o diálogo, o consenso, o discernimento para a realização da esperança de mais vida para todos e todas.

Para o Padre José Comblin "a Igreja oferece o testemunho de sua esperança. Ela é o povo que permanece acordado e vive a esperança, mostrando-a no meio dos homens (...). Seria ilusão crer que a esperança é espontânea no homem. Espontâneos são os desejos, os sonhos, as projeções, mas não a esperança. Esta há de ser cultivada: é trabalho perseverante e sistemático. Ora, o porvir de Deus é reservado aos que O esperam, não aos distraídos, nem aos indiferentes. Educa-se a esperança. Não será essa justamente a tarefa da Igreja em relação à humanidade?"

ii

As Cebs exercem essa missão de cultivar e educar a esperança através da luta por "Vida e Vida em abundância".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando a gente planeja viajar, fazer uma viagem, tem sempre, por certo, pelo menos um objetivo. Frequentemente mais de um, mas pelo menos conhecer um determinado lugar, visitar amigos, rever lugares que já andou e sente saudades, ou simplesmente viajar. Uma viagem é sempre um sair, não só do lugar em que se estar, mas um sair também da gente mesmo. Já não nos surpreendemos quando, além de simplesmente sair da gente mesmo, a gente se encontra com a gente mesmo, no caminho e quando chega a este lugar. Assim foi participar desta viagem na história das CEBs da Arquidiocese de Curitiba. Participar deste trabalho foi como pegar uma auto-estrada já antes percorrida, mas cheia de novos cenários, e que repetidas vezes passa na mesma rotatória. A gente ver e rever cenas já vistas, momentos já vividos, paisagens já contempladas, e quanto mais caminha mais se aproxima do ponto de partida. Do primeiro olhar, como acontece no primeiro amor. 18

Como primeiro passo, reunir informações da caminhada das CEBs na Arquidiocese de Curitiba, daquilo que certamente significa uma longa caminhada, consideramos plenamente atingidos os seus objetivos e satisfeitas as suas motivações. Está, a nosso ver, claro que as CEBs na Arquidiocese de Curitiba, não apenas estão vivas, existem, mas estão cada vez mais sendo o fermento na massa. A luz na ação das comunidades. É certo que, assim como a massa mudou, em forma e em volume, o fermento também mudou. Não na essência, mas na forma e no volume. É certo também que, a luz também passou por mudanças, pois o jeito de caminhar e o próprio caminho também mudaram. Quando a gente muda o jeito de caminhar, ao invés de uma procissão, se faz uma carreata, as sandálias também mudam e precisam mudar. Vivemos uma crise metodológica e que não é apenas das CEBs, mas da Igreja e da sociedade. Formação hoje também já não significa a mesma coisa que significava nos anos de ditadura de 1960/70. A Igreja vive pelo menos duas décadas de crise profética e depois de Santo Domingo retorna à pedagogia da profecia anúncio-denúncia, só agora em Aparecida. E as CEBs são, mais uma vez a cacimba de água fria e doce re-leitura das escrituras, da formação de comunidades e lideranças dialógicas esperançosamente proféticas que a Igreja e o mundo tanto precisam.

Consideramos, portanto, atingidos os objetivos aos quais nos propomos, a partir do GRA nos distanciarmos um pouco de nós mesmos, para mais nos aproximarmos mutuamente. A vida, a fé, a luta, andam no mesmo caminho e caminham na mesma direção e no mesmo passo. Se este trabalho conseguir ser este ponto de partida para uma constante sistematização da história das CEBs na Arquidiocese de Curitiba, e ainda servir de testemunho e motivação para as novas gerações, nosso esforço estará mais que recompensado. Dedicá-lo a este trabalho foi ante de tudo um prazeroso reencontro com a história do povo de Deus que luta, sonha e vive na Arquidiocese de Curitiba. O nosso mais sincero agradecimento especialmente ao Padre Michelangelo, a Mara, à Salete e ao José Vilto, mas a todos e todas que direta ou indiretamente contribuíram para que fosse possível esta sistematização.

Curitiba, 04 de agosto de 2010.

Organizadora:

Francisca Neta Virgínio Santiago.

É leiga, casada há vinte seis anos com o Teólogo, Poeta e Militante João Santiago com quem teve três filhos, Fabrício, Vinícius e Noé e são avós de dois netos, Eduardo e Amanda. É graduanda em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica de Curitiba - PUC-PR, Catequista, Líder da Pastoral da Criança na Paróquia São José Operário no Alto Boqueirão em Curitiba. É Conselheira Tutelar no segundo Mandato pela Regional do Boqueirão também na cidade de Curitiba, no Paraná. Participa das CEBs, tendo sido delegada no V Intereclesial estadual em Foz do Iguaçu, no Paraná. 19

i O Projeto Eclesial João Paulo II, Revista de Cultura Vozes Ano 74 Volume LXXIV Junho-Julho 1980, nº5 pag. 61.

ii A maior esperança, José Comblin, Ed. Vozes, Petropolis 1970. Pag. 22,24.

Bibliografia

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia, Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Brasil: Paz e Terra (Coleção Leitura), 1997. Edição de bolso, 13,5x10 cm., 165 páginas.

Freire, Paulo. Conscientização, Teoria e prática da libertação, uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, Ed Morais, 1980.

BIBLIOGRAFIA:

- BÍBLIA. Bíblia Sagrada TEB

CELAM. Conselho Episcopal Latino Americano. Documento de Aparecida – Texto Base da V Conferência Episcopal Latino Americana. São Paulo: Paulinas/Paulus, 7ª. Edição, 2008.

- CNBB. Conferência dos Bispos do Brasil.

- FREIRE, Paulo.

- FREIRE, Paulo.

Tradução Ecumênica da Bíblia. São Paulo: Loyola 1994. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento 94. São Paulo: Paulinas, 2011. Pedagogia do Oprimido. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Brasil: Paz e terra (coleção cultura), 1997. edição de bolso, 13,5 x 10 cm, 165 páginas. Conscientização. Teoria e prática da libertação, uma introdução ao pensamento de Paulo Freire, Ed Morais, 1980.
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