Um Oráculo da Bem-Aventurada Mãe Preta

Oráculo da Bem-Aventurada Mãe Preta ao Travesseiro do Poeta

Na madrugada da noite que separou o dia 11 do dia 12 de outubro de 2023, no meio de uma forte e intensa chuva, acompanhada de um vento impetuoso, de relâmpagos e trovões, como se eu fosse acordado, embora permanecesse a dormir, teve início esse recado que me fez acordar logo após o seu fim e não sentir mais sono naquela noite. A mulher negra de olhos negros, cabelos longos e encaracolados, que lhe cobriam os ombros e escorriam por suas costas como se fosse uma Rhipsalis Baccifera, não disse o seu nome e nem citou o meu. Agiu como se já fôssemos conhecidos. Apenas usou o pronome pessoal do caso reto para se identificar como minha mãe e me chamar de meu filho. Disse ela: meu filho, você anda muito inquieto, indignado, preocupado e pensando em se afastar de tudo, deixando de ir até mesmo aos lugares que você sempre foi e gosta de ir. Sobretudo, você anda muito calado, ou falando pouco. Cada vez falando menos. Nada disso é ruim e tampouco censurável. Porém, não deixe de ir aonde você deve e precisa ir e não se preocupe com o que vai fala ou se vai falar. Escute. Continue escutando. Ninguém reage, mas todos ouvem. Agora, escreva o que eu vou lhe dizer. É você, afinal, que vive dizendo que falar não vale nada hoje em dia. E que escrever compromete, não é mesmo?

Se você não pode mudar a mentalidade de seus interlocutores, não permita que eles mudem a sua. Apenas isso. Eu sei que você acha que além de não poder ajudar a Igreja a sair da acomodação e da repetitividade, ainda acha que a atrapalha. Não seja tão vaidoso e não se dê tanta importância assim. Numa coisa, porém, você tem razão. A Igreja passa por uma encruzilhada, praticamente por uma crise de identidade e de sentido. Aqueles e aquelas que deveriam orientá-la para o caminho do Reino e da libertação com diálogo e sensatez, estão divididos em dois grupos que, por razões diferentes e com justificativas diversas, disputam um poder que desconhecem e nem sabem para que serve. Um grupo clericalmente assumido (contaminado pelos fundamentalismos e determinismos e que gosta de ser servido) tem o mérito de não mentir para si mesmo e assumir a sede incontida de poder e não abre mão de ser o dono da Igreja e da verdade. Age como chaveiro e porteiro do Reino dos céus. É frio profeticamente e dirige a Igreja olhando para o retrovisor. Frequentemente tropeça nas túnicas e de engasga com colarinho clerical.

O outro grupo, embora tão clericalmente adoecido quanto o primeiro, se diz anticlerical e descaradamente – talvez até inconscientemente por vezes -, usa as mesmas armas do primeiro. Igualmente, porém, não sai do passado e não deixa que a Igreja saia também. A igreja, a comunidade, a pastoral ou o grupo, não pode ser maior que a “cabecinha” de seu “iluminado” guru.  não pode ser maior do que a mediocridade possessiva do “reizinho” que fala com Deus diretamente no seu WhatsApp oficial. Para que teologia? para que estudar a Palavra. Tudo cai como que por osmose, diretamente de sua “cabecinha”. Não olha para o retrovisor e nem mesmo para o caminho. Olha apenas para as placas. Vive batendo a cabeça nos altares e nos ambões, enquanto finge procurar a porta de saída. Não raro se engasga com a própria saliva. Ambos são como muros que impedem o vento da espiritualidade criadora passar. São paredões de arrogâncias falsamente adocicados de atenção e cheios de vaidades que represam as novas gerações e as novas expressões trazidas por elas. O primeiro grupo abomina as teologias e as eclesiologias periféricas: afro; feminista; indígena e da diversidade. São estas teologias e estas eclesiologias periféricas - que não cabem no liturgismo e nem no sacramentalismo da Igreja ritualista – que alimentam a mística da vida do povo, as grandes multidões que vivem como ovelhas sem pastor. So deixam sobreviver as juventudes se elas envelhecerem e legitimarem suas ideias mofadas e superadas. Principalmente se lhes aplaudirem, se lhes pedir bênção e se lhes beijar a mão. Ambos os grupos vivem vociferando sobre as juventudes. Todos têm explicações que, via de regra, culpam as próprias juventudes por não fazerem coro às suas vontades e principalmente por não ecoarem suas pretensas verdades. Não lhes preocupam as dores sofridas pelos outros e tampouco ouvir o que eles pensam, querem apenas ser isentados de culpas.  

A Igreja é refém da incapacidade de ouvir e de acolher de seus velhos donos. Clericalmente assumidos ou hipocritamente disfarçados. Pouco importa. Eu sei que você vive pensando e escrevendo sobre essas coisas. Você acha que ninguém ver, que ninguém escuta, que ninguém entende e que ninguém dá a mínima para tuas inquietações. Mais uma vez eu te digo: não seja vaidoso, não seja apressado demais. Tudo tem o seu tempo e o que é velho não demora a mostrar que perdeu a validade. Quando isso acontecer, não terá mais lugar para ele. Diga, diga escrevendo, para que fique registrado, que sem uma Teologia própria as pastorais não passam de grupos de trabalho que cumprem as tarefas que lhes são determinadas; sem uma espiritualidade libertadora, que impele, instiga invoca, chama e  envia, a Igreja é uma associação de interesses que, pouco importando as desculpas ou as justificativas, fala para si mesma, serve aos seus próprios interesses e para isso, carece apenas de uma hierarquia funcional e de obediência cega à ela; sem autonomia e sem identidade profética, sem ousadia profética e sem uma Teologia que nasça e se nutra da Palavra de Deus, o que se insiste em chamar de Comunidades Eclesiais de Base, não passa de uma caricatura do clero. Uma espécie de clericalismo clandestino. Uma cópia desbotada de um original fontalmente adulterado pelo clericalismo como uma patologia que desfigura o cristianismo católico. Pois não é com o clero que aprende e insiste em aprender? Ah, mais as pessoas estão felizes assim! Dizem os chefes de grupos e que se acomodam nos discursos prontos e nas respostas dadas às perguntas que não foram feitas. A sua função é apenas perguntar: será? O serviço, como um valor salvífico, é adulterado e tornado em servidão. Qual é a diferença entre uma hierarquia clerical escancarada ou clericalizada e uma hierarquia camuflada, em que nada de novo tem chance de sobreviver? A Igreja clericalizada do primeiro grupo, cresce em poder, em adeptos e em riqueza. É a expressão mais perfeita do opressor que sente prazer e necessidade de oprimir. A sua cópia, ao contrário, diminui e envelhece a cada dia e culpa as juventudes porque elas ousam profetizar e ainda se rebelam. Mesmo que silenciosamente.

A Igreja serviço é cada vez mais marginal ou marginalizada. A escolha é sempre de quem escolhe. A quem quer servir? A quem quer seguir? Para que serve a Igreja? Não é difícil encontrar escravos que na sua incapacidade de se reconhecer digno de liberdade e sem se sentir capaz de lutar para ser live, se dizem felizes como escravo. Independente disso, trata-se de uma situação abominável. Você tem razão, meu filho, quando diz que a Igreja não precisa de teólogos e nem de teologia. Na verdade, ela precisa, mas não sabe que precisa, o que é ainda mais grave. É você também que anda dizendo por aí, igualmente, a Igreja só escuta quem fala o que ela quer ouvir, não é? Nessa situação, realmente, não há necessidade de teologia, nem de teólogo e não se encontra lugar para a Palavra. Que é brasa, que é espinho, que desacomoda. Não deixe morrer a esperança, não deixe que mudem a tua fé, não negocie os teus princípios e nem a tua vocação, por conveniências e cargos ou funções. Vocação é graça, não é função eclesiástica. Vá e não seja apenas mais um.

Curitiba, 12 de outubro de 2023, dia de Nossa Senhora Aparecida – quinta-feira chuvosa e cheia de luz

João Santiago.
Teólogo, Poeta e Militante.
Coordenador estadual do CEBI-PR
Doutorando em Teologia pela PUC-PR

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