O velho e o novo, o comodismo e a mudança

            O processo eleitoral é o melhor momento para se entender o que faz a sociedade avançar e o que a faz regredir. Abre possibilidades de novos olhares e revela antigas formas de domínio. Traz consigo a esperança de mudanças, mas deixa a impressão que a força maior é a que quer manter tudo como estar. O novo para ser aceito, precisa ficar velho. O velho trata o novo, sobretudo no processo eleitoral, como a sociedade tratava o menino no século XX. Segundo a educação familiar do século passado, para menino não se dá dinheiro. Dão-se coisas. Menino não tinha gosto, nem vontade próprios, não sabia o que fazer com o dinheiro. Este era coisa pra gente grande. Assim é que acontece hoje na filosofia eleitoral. As forças novas, digam-se as lideranças novas que ousam se candidatarem, que ameaçam surgir, não conseguem financiamento para suas campanhas e seus projetos. Quando ganham, recebem coisas. Dinheiro é para os adultos. Estes sim sabem governar, tem gosto e vontade próprios. Os adultos, talvez com peso na consciência, diziam aos meninos: bonito este brinquedo! Quem te deu esta camisa bonita? Só para ouvir o inocente dizer: foi o senhor! Parabéns! Você está parecendo um homem!

            Os argumentos predominantes e que definiram o “chapão” para a disputa de vereadores no Partido dos Trabalhadores em Curitiba, merece atenção especial. Tinham a mesma matriz filosófico-ideológica da defesa feita pela direção partidária pela coligação com o PDT já no primeiro turno. O pragmatismo protecionista e corporativista que limita a vida ao que ela é. Tirando-lhe a possibilidade de Ser Mais. Só que agora os argumentos saíam da boca de quem, enquanto não via sua zona de conforto ameaçada, defendia o socialismo e a revolução. A identidade partidária. É como se dissessem. Nós sabemos o que é melhor porque nós somos adultos. Ser adulto na linguagem político-eleitoral é ter mandato. Quem tem mandato tem gosto e vontade próprios. Tem voz e às vezes acha que a tem sozinho. Quem não o tem, é menino e menino não dá opinião, apenas obedece. Até pode falar, mas ninguém o escuta. Nestas horas dá uma vontade danada de sentar no sofá, tomar um porre de alienação e ficar olhando tudo de longe, sem se meter. Os meninos do século XX deviam ter vontade de sumir no mato, nem que fosse para deixar os adultos preocupados. Pelo menos eles tinham a capacidade de se preocuparem. Hoje, bem hoje as preocupações são outras.

            Adulto em campanha eleitoral tem dinheiro até depois das eleições. A sobra é maior do que a soma das moedas dos meninos em toda a campanha. Todo mundo dá dinheiro para adulto, mesmo quando ele já tem. Para menino é diferente. Quando o tio  ou o padrinho é muuuito legal, ele dá moedas. Quando a gente encontra os adultos, após as eleições, a gente se sente não só menino, mas é como se fosse uma macaca de circo. Fica claro que ninguém esperava que a gente fosse capaz. Que a gente tivesse a capacidade de imitar atitudes de adultos. Parabéns! Vocês foram muito bem votados! Na próxima vocês conseguem! É sempre na próxima. Quando você for adulto, você vai conseguir tá? Haja paciência histórica para manter a serenidade. Na verdade, haja fé. Aí começa uma nova fase. Aqueles tios (as) padrinhos e madrinhas legais que nos deram moedas começam a pautar a gente. Pedem um copo d’água, mandam buscar o chinelo, querem que beijemos sua mão. Sentemos no colo, tiremos retrato com eles. É um jeito de dizer para todos, olhem, ele é assim porque está comigo! Menino, no entanto, tem que ser educado. Principalmente saber agradecer.  

            O velho quer repetir o que já existe, quer conservar as conquistas, preservar discursos e posições, e defender confortos. Para ele todo risco é desnecessário. Maximiza os perigos quando lhe é conveniente fazê-lo e minimiza as chances de conquistas, quando quer impor a suas vontades e os seus desejos. No processo de discussão do “chapão” foi exatamente assim. O PT foi apresentado pelos adultos como aquele personagem de “A Metamorfose de Gregor Samsa” de Franz Kafka (1883-1924). Um quase inseto-verme, incapaz e que quase não pode. A não ser através de alguém que lhe faça uma caridade. Mas quem faria algo por alguém tão insignificante? Pronto! Estava instalada a melancolia Kafkiana. Sem a característica genialidade que lhe acompanha, claro. Já o novo, por outro lado, é ousado, quer ir além e não faz concessões por conveniências. Sabe identificar a linha tênue entre a ousadia e a irresponsabilidade, mas abomina o comodismo. Sabe que mudar exige correr riscos. E os corre. O novo que sabe ser ousado sem necessariamente ser afoito assusta os adultos, os deixa incomodados, por vezes ameaçados.

            Uma lição que todos poderão aprender do primeiro turno destas eleições é que o uso apelativo e de má fé, das religiões e de suas lideranças, além de não render votos, pode causar rejeição. Guardadas as devidas exceções, quando há um conluio articulado com as lideranças e, entre quatro paredes, por debaixo dos panos, tudo é permitido. Outra questão rica em aprendizado é referente ao dinheiro. É até oportuno trazer presente aqui “A Arte da Guerra” que de forma precisa o autor nos diz, “Geralmente, a abundância de dinheiro é mais funesta que vantajosa, mais prejudicial que útil. Pelo abuso a que se presta, torna-se fonte da corrupção e matriz de todos os vícios” ( SUN TZU, 2008, p. 97). Pouca coisa define tão bem a realidade da política eleitoral. Também se faz desnecessário dizer que, se ainda é muuuito difícil eleger sem dinheiro, quando ele é excessivo e mal usado, pode ser um problema.

            Passado o processo eleitoral do primeiro turno, onde o velho afrontou o novo, como se quisesse sucedê-lo, contrariando a lógica da vida, é oportuno regar as esperanças. Muito se aprendeu e muito ainda há de se aprender, olhando para o passado e para a história. Lembremos o velho e sábio Cícero de Roma (106 a.C). “Que há de mais natural para um velho que a perspectiva de morrer?” (1997, p. 55). Para uma consciência cristã, a morte é mais que um recomeço. É um novo viver. Existe um velho, adoecido, sobretudo na política partidária, que não governa mais, a não ser com ameaças, que ainda manda, mas que está morrendo. Que perdeu a autoridade. Que o novo, que em breve será adulto também, saiba envelhecer sem ficar velho, sem perder a validade e sem achar que prescinde do novo para viver e continuar vivendo. Que este segundo turno seja o preâmbulo de um novo tempo de reflexão e de construção de novas práticas. Que possamos aprender com os que a gente pensa que vai ensinar. Para que isto ocorra, temos que, a exemplo de Buda que, “Como todos os verdadeiros mestres, ele quer ensinar não uma doutrina, mas um caminho” (BUBER, 2012, p. 109). É mais que urgente, é mais que necessário, é vital que a política resgate a dimensão profética, retome a dimensão poética e incorpore à sua prática, a exigência do caráter. Os candidatos se apresentam cheios de habilidades, de especializações enquanto lhes bastaria caráter. O que o povo de Curitiba não quer mais parece ter ficado claro neste primeiro turno. Quanto ao que ele quer somos convidado (as) a interpretar.

Curitiba, 11 de Outubro de 2012.

João Santiago - Teólogo – Poeta e Militante.

Mestre em Teologia pela PUCPR.  

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