As fraquezas de um tempo de mentes fracas e as forças de organizações milicianas que contagiam como os vírus

Estamos diante de um dos maiores desafios de nossa espécie. O que nos faz mal e que nos ameaça a convivência, a saúde e até a vida, hoje é o que mais recebe apoio: através de políticas públicas excludentes, de expressões religiosas contaminadas de vícios e práticas, por vezes, anticristãs. Quando no mínimo, frete à omissão ou a indiferença de muitas lideranças cristãs. E o que é que nos ameaça a convivência, a saúde e a vida? São muitos os fatores e os elementos. Vamos citar alguns que na verdade são coletivos, compostos de diversas unidades: a negação da política como uma dimensão fundante e fundamental do ser humano que potencializa a demência de pessoas aparentemente sãs, para usar um termo de Bauman; a idiotização da pessoa humana, ao ponto de eleger um corrupto, delinquente e mentiroso costumaz, como seu MITO e nos rebaixa ao nível intelectual de ratazanas perante o mundo; a absoluta incapacidade das religiões cristãs de darem a mínima orientação para as comunidades de fiéis, que ao menos, as lembre que existem a fé e a verdade. É bom lembrar aqui as palavras do Papa João Paulo II, “Precisamos ter a coragem de defender a verdade, mesmo que corramos o risco de voltarmos a ser apenas doze novamente”; a demonização da ciência como forma de fazer da ignorância uma virtude e dos ignorantes aliados do crime; o desvio de caráter de grande parte das autoridades constituídas, legitimando a banalização da vida sob a primazia do mercado e das coisas; a manifestação de um certo retardamento mental de pessoas grandes, mas que não ficaram adultas.

Onde dói em vocês quando escutam uma autoridade dizer que só vão morrer alguns velhinhos e quem já está doente? Em mim, dói tudo, mas na alma a dor é angustiante, sobretudo porque vejo pessoas grandes, mas que não evoluíram as mentes, repetindo isso, inclusive na minha Igreja. A ideologia doentia e viral de direita que destruiu nossa democracia e feriu a nossa inteligência, é uma ideologia de morte. Fez da morte o sonho e o desejo de muitos “cristãos e cristãs sem Cristo”. A solução para eles é sempre matar: os presidiários; os indígenas; as Pessoas em Situação de Rua; os Homossexuais; os “Comunistas”; os “esquerdopatas”. E em nome de quem o fazem? Em nome de Jesus. Falta-lhes quem lhes diga: “Foi, assim, que tudo começou. A história começou quando a vida derrotou a morte” (GALLAZZI, 2017, p 31). Falta-lhes uma Catequese Cristã. Além de milhões de mendigos econômicos, condenados pela meritocracia dos ricos, temos uma multidão de mendigos espirituais, que perderam a capacidade de amar, escutar e sentir. Ignoram o Apóstolo dos Gentios, “Eu compartilhei a fraqueza dos fracos para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para de alguma maneira salvar alguns. E tudo isso eu o faço por causa do Evangelho, para dele participar”. (1Cor 9,22-23).   

Enquanto o mal vence, no entanto, o bem precisa existir e não pode morrer. Enquanto as milícias governam, o povo precisa se organizar para que essa vitória seja passageira e de preferência curta. Mas quem vai fazer isso? Dois atores historicamente fazem este trabalho de organização popular e de fortalecimento da sociedade: as esquerdas e as Igrejas Cristãs. Santa Dulce é um dos nossos mais recentes exemplos, organizando os trabalhadores em sindicato. Quando os governos autoritários, violentos e corruptos, na América-Latina, sempre de direita e com o apoio das grandes religiões mundanas e opressoras, governam, deixam a terra arrasada. A partir daí, surge o recomeço. Acontece que a esquerda vive o pior momento em nosso país. Sem líder, sem voz, sem organização e sem projeto. Não sabe o que dizer, nem o que fazer. O golpe covarde contra a nossa democracia legitimou uma inversão de valores jamais vista! Os criminosos foram alçados ao poder e quem poderia resistir e reorganizar o povo foi perseguido, preso e o pior: desmoralizado pela idiotização generalizada promovida pela avalanche midiática que fez de pessoas aparentemente sãs agirem como animais domésticos acometidos de raiva. Quem quiser servir ao Evangelho, não poderá temer ser chamado de esquerdista e de comunista, muitas vezes pelos próprios irmãos na fé.

As Igrejas Cristãs precisarão mais do que de uma quarentena para provarem que são mesmo cristãs. Sem lideranças, sem profetismo e sem palavra que acolhe, conforta e transforma. A não ser a abstinência ritual, a omissão e em muitos casos, a conivência com a mentira sendo vista como profecia. Satanás apresenta-se dividido neste momento, mas ele nunca esteve tão unido. Sobram-lhe templos e santuários como abrigo. O seu dinheiro fácil e manchado de sangue, desviados das políticas públicas, instiga o anticristo que habita em cada ídolo religioso que adora a besta como o seu deus. As legiões que compõem o governo querem parecer divididas, mas isso são apenas estratégias de guerras de milícias para confundir um povo predominantemente composto de semianalfabetos religiosos e políticos. Quando não analfabetos mesmos, para usar um termo que a CNBB trouxe na Campanha da Fraternidade do ano passado.

A religião predominantemente é um alucinógeno que deixa as pessoas incapazes de pensarem. Não pensando, não veem. Não vendo, não sente e não agem. Não agindo, não incomodam. E não incomodando, tudo fica parecendo que estar bem. Eis aí uma característica deste nosso tempo: o que importa é parecer. Um, parece que é juiz; outro, parece que governa; ainda têm os que parecem comunicar. E o povo, parece que acredita. Os criminosos se parecem com pessoas confiáveis e as pessoas que são confiáveis, por sua vez, são apresentadas como sendo perigosas. Estamos não apenas nos distanciando da Sabedoria, mas combatendo-a. E sem ela somos seres de pouca esperança. “A loucura é a metade razão espanhola”, dizia Montherlant! Cito esse epigrama para poder dizer que a sabedoria talvez seja a metade da loucura cristã” (GESCHÉ, 2005, p 116). Frente ao estado de medo e de incertezas que foi criado, vale a versão, não o fato. E a versão é sempre a de quem recebe dinheiro para dizer o que quem paga quer que seja dito. Nos jornais, nas TVs, nos templos e claro, nas fake News. Somos governados pelo pai da mentira, que não se contenta e quer ser também a sua mãe. Vendo o estado de demência e que pessoas aparentemente sãs, sobretudo na Igreja, vem aquela máxima tão repetida, “Freud explica!” será? De qualquer forma, diz o velho sábio, “Não adianta explicar quando o outro está decidido a não entender” (Sigmund Freud).

Fico lendo, ouvindo e vendo mensagens que nos prometem um novo tempo, feito por um novo ser humano, depois desta tripla desgraça que nos aflige: um governo insano, irresponsável e cruel; uma crise sanitária que, apesar de falar mais de nós do que dela mesma, nos ameaça de morte e a todas e todos; e uma crise econômica, fruto de uma eleição fraudada, de um governo incompetente e antissocial; e da naturalização da falta de ética, sendo as convicções de “autoridades” corruptas e sem escrúpulos postas acima da nossa Constituição. Seria muita ingenuidade acreditar que, uma crise, por mais grave que seja, ipso facto, seja o suficiente para converter uma espécie tão complexa, egoísta e cada vez mais ensimesmada como a nossa. Certo é, porém, que precisamos aprender com esta crise, mas isso não acontecerá por osmose ou por gravidade. É preciso que surjam entre nós, pessoas capazes de desagradar os ouvidos mal-acostumados a ouvirem o que lhes agrada. Será preciso que alguém lembre “Conhecerão a Verdade a Verdade libertará vocês”.  (Jo 8, 32). Este, hoje, é resumido a um jargão na boca de um insano, e ninguém, sequer, se sente incomodado com isso.

Também fico observando o comportamento de pessoas com idade de adultas, mas agindo como adolescentes mimados. Sempre que recebem algo que não gostam no grupo de WhatsApp, corre para dizer ao padre. “Tão falando de política no grupo da Igreja, o senhor viu?”. Geralmente, são as mesmas que postam piadas horríveis contra as mulheres, contra os negros e as negras e contra os homossexuais. Mas também contra Nordestinos, Pessoas com Deficiência... O que esperar de gente assim? Vão adquirir maturidade por osmose? Por causa de uma crise que elas estão convencidas por seu mentor intelectual e espiritual, que é coisa de ideologia de esquerda para prejudica-lo? O padre geralmente faz como aquele pai autoritário e vaidoso, e deixa todo mundo do grupo de castigo. Ameaça desfazer o grupo, aí fica todo mundo bem. Até a próxima fofoca. Uns com medo e outros contentes. Porém, “Como a política hoje está deixando de ser a tradução de nossas preocupações morais e existenciais numa ação racional e legítima em benefício da sociedade e da humanidade (...) BAUMAN, 2014, p 39/40), a religião está deixando de ser uma escola de humanidades. Ultimamente eu vi mais “cristãos” fazendo o gesto de execução, como se estivesse executando alguém, à queima-roupa, deitado no chão, do que fazendo o Sinal da Cruz, ou com a Bíblia na mão. Ou nas Pastorais. Mesmo que dentro da Igreja.

Nas palavras de Zygmunt Bauman, na mesma obra, “vivemos a fadiga da compaixão” (p 55). Isso se aproxima das palavras do Papa Francisco quando diz que vivemos a “Globalização da Indiferença”. Ainda, talvez seja o que quer dizer Dom Francisco Cota, Bispo Auxiliar de Curitiba, quando diz que “Nós não podemos, diante da realidade presente, dizer só o que as pessoas querem ouvir, como que a massagear os seus ouvidos”. Em outra obra anterior, Bauman diz, “Os santos são santos porque não se escondem atrás dos ombros largos da Lei” (BAUMAN, 2013, p 117). Existem várias formas de se esconder atrás de alguma coisa. O nosso primeiro e maior chamado é à santidade. Já aprendemos que a Lei, assim como os sacramentos, por si mesmos, não salva ninguém. Difícil é aceitar que a salvação é Graça. Porque assim, os comunistas se salvarão? Os homossexuais também?  Qual é o diálogo que as TVs Católicas estão fazendo neste momento? O que é feito para além das repetições que tentam amenizar a abstinência do ritualismo do clero e dos leigos e das campanhas de arrecadação? E pelo Brasil afora, a Igreja Católica tem a PASCOM que transmite eventos geralmente quando o Padre ou um Bispo estar presente. Ou quando tem um Cerco de Jericó. O que fazemos destes meios de comunicação para evangelizar conscientizando? Evangelizar é conscientizar, é libertar, é transformar mentalidades. Quando reconhecemos as próprias fraquezas, ficamos mais fortes.

Curitiba, 13 de abril de 2020 – hoje morreu Morais Moreira.

João Santiago. É Teólogo Poeta e Militante.
Professor de Teologia na Faculdade UNINA.

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