Carta ao Tempo

Curitiba, 11, 12 e 13 de Maio de 2016,

Caríssimo amigo de pouco tempo e de longa espera, sei que você sabe, conhece como mais ninguém, o que já foi, o que está sendo e que sabe esperar o que será e o que poderá vir a ser. Sei que você não tem pressa e nem se acomoda, e vem de longe e vai para o infinito.  Reconheço o teu reinado, a tua sabedoria e a tua única forma de agir: sempre com tempo. Já briguei com você, quando eu queria que você reduzisse o passo, naqueles inesquecíveis momentos de Lua Nova, ou Cheia, ou crescente, e você corria ainda mais. Três dias não valiam três horas. Briguei com você e quase perdi a razão quando eu queira que você corresse, durante aqueles dias infindos, aquelas noites eternas e escuras, sem luar, durante aquelas semanas imensas, meses que eram uma eternidade, e você praticamente parava. Fazia com que os segundos parecessem meses! Só de pirraça, eu pensava. Só para me deixar tenso. Já quis ser como uma pedra, saber esperar, e me submeter ao tempo e às suas exigências, às suas imposições e a sua sabedoria. Ao seu capricho, até. Ao invés de espera-lo, simplesmente vê-lo passar. Em certa medida me tronei essa pedra. Algo em mim endureceu. Também já quis ser Deus! O único Senhor de todas as coisas, inclusive do tempo. Confesso que já me senti Deus, diante de você. Continuo querendo mandar em você! Vivo tentando te ignorar, isto já me faz sentir um pouco de vontade de continuar lutando.

Você tem feito não apenas tudo o que quer, mas tem feito comigo tudo o que você quer. Eu resisto, reluto, e você me ignora, pois sabe que na próxima encruzilhada eu estarei fazendo exatamente o que você quer que eu faça. Mas saiba que eu vou resistir sempre! Admito que não seja possível te vencer, mas vai ter luta, vai ter resistência até o fim. Da minha parte vai ser assim, até o fim! A minha coluna você até pode curvar, mas as minhas convicções, os meus sonhos, a minha esperança, a minha paixão e o meu amor, não! Mesmo que o fim seja do jeito que você quer. Saiba que eu amo e amarei até o fim. Já você, bem com relação a você eu tenho minhas muitas dúvidas. Amar pra você parece algo menor. Já que é você quem frequentemente cria obstáculos ao amor, separa pessoas que se amam e as faz sofrer. Às vezes parece-me que você sente até prazer ao fazê-lo. É você quem apresenta pessoas certas em tempos errados e pessoas diferentes em qualquer tempo. E é você quem tucanamente, ou, sacanamente, convence as pessoas de que o errado é que está certo. Acho que você nunca amou. Pelo menos um amor de verdade.

Tempo, tempo, o seu tempo não me dá tempo para com tempo viver o meu tempo! Por quê? As tuas esquinas não têm luz e as tuas Ruas não têm números. Teus cabelos nunca ficam brancos e os meus, que você parece invejá-los, você os pinta tão lentamente, apesar de ter começado tão cedo a pintá-los. Você é o senhor de todas as coisas terrenas. Nada, absolutamente nada, além de Deus, resiste a você. Tudo ou cai, ou murcha; tudo ou passa, ou perde a validade; tudo entorta ou encolhe com você. Nem o amor resiste sempre à tua fúria de destruição. Todas as coisas são transformadas por tua causa. Umas entortam, outras amolecem, outras desaparecem mesmo! Você é um só, mas tem infinitos rostos, inúmeras formas de agir e de ser. Você tem a estranha mania de nos tirar aquilo que mais nos faz esquecer que você existe. A felicidade! É você quem decide o que demora mais a passar, se um dia ou uma semana. Roberto Carlos parece te entender melhor do que eu, quando fala de você e de tua estranha mania de nos roubar o amor e alegria de amar, “E agora o tempo passa tão sem graça, faz pirraça e tem preguiça de passar. Sem você o que me resta é muito tempo, é muito espaço e muito nada pra esperar...”. A gente sabe, ou aprende com o tempo o que significa isso.

Dá um tempo, tempo, vê se encontra um tempo e me deixa esquecer que eu não tenho tempo pra pensar no tempo que tenho! Você nos tem a todos em suas mãos, mas ninguém o tem suficientemente. Não há uma única pessoa neste mundo, cujo tempo não pareça não existir, que não reclame de não ter tempo. Eu quero viver um tempo no qual o amor não tenha um tempo adequado e não lhe falte um tempo propício, mas que todo tempo seja tempo de amar. Saiba, porém, que meu tempo verdadeiro é outro. Você não o consegue medir, não pode cronometrá-lo. Eu sou do tempo do amor, do Kairós, saio de você, quando me encher de suas imediatisses, e vou para a eternidade, onde você não entra, apenas chega perto. Lá você não manda, mas reina o amor. Desde o momento em que a gente começa a entrar em você, você começa a sair da gente e não para mais até sair totalmente. Já disse o Cazuza que, “O tempo não para” e você não para de rir-se de nossa falta de tempo. Enquanto a gente não sabe o que fazer com você, você vai fazendo o que quer com a gente. E depois que te transformaram em dinheiro, ficou difícil não se sentir mercadoria. Depois que inventaram que o tempo é quem sabe de tudo, as pessoas desaprenderam a arte de pensar. Igualmente, depois que alguém disse que o tempo resolve tudo, muita gente não quer mais se arriscar. E me dá a impressão de que você gosta disso.

Sabe, tempo, às vezes, têm horas, que chego a pensar que você já me deu foi tempo demais! Têm outros momentos que fico inquieto, imaginando quanto tempo você ainda me dará. Isso eu não posso mudar, mas o que eu devo fazer com o meu tempo, eu decido, eu mesmo faço. Da minha vida cuido eu. Da minha felicidade cuido eu. Estou no tempo, procurando tempo, para dá um tempo e não pensar mais nela. Mas não adianta, quanto mais o tempo passa, quanto tempo eu tenho, mais dedico tempo pensando nela. Por ela o respirar profundo, o minuto, o segundo, a noite inteira acordado. Por ela o choro e o riso, pois é dela que eu preciso, para esquecer que o tempo existe.

Curitiba, 17 de Maio de 2016. Revisão final.

João Santiago.
Teólogo, Poeta e Militante.
Do tempo em que o tempo dava um tempo a tudo.

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