O planeta é uma bola, a vida é uma partida

A vida é um jogo onde não temos reservas, nem prorrogação, nem decisão final, nem patrocinador garantido. Valem os pontos corridos. A solidariedade é o gol de placa e o egoísmo é o gol contra. Neste planeta chamado bola, o perfeito nasce do imperfeito, às vezes se equivalem e ter as pernas tortas é uma vantagem, mesmo que incompreendida. Esse planeta é meio Mané mesmo. Perder o gol às vezes é uma atitude nobre. Coisa de Rei e todos o querem imitar. Quem nunca parou para olhar, “os gols que o Rei não fez?”. O sonho de todos os mortais, assim como o caminho para sua imortalidade, é fazer o gol que o Rei não fez. O futebol é uma religião politeísta, mas tem um Deus só pra ele. Este trono tem frequente alternância de poder, mesmo guardando alguns lugares com exclusividade. Tem uma fé cheia de razões, mas que, às vezes prescinde delas.

A copa é do mundo, mas o mundo também é da copa. Afinal, o que mais atrai tantos olhares e a atenção de tanta gente? Um eclipse total do sol, em dia de céu claro, talvez. A copa do mundo é um grande eclipse, onde vários sóis brilham e as diversas fases de muitas luas cheias de encanto e de magia, se revezam no matriarcado planetário da bola. Nesse planeta-bola bicicleta se usa de costas e bastam sete pedaladas para se chegar á área da fama. O planeta bola tem um único Rei e esse Rei é negro. Uma única Rainha, a bola e o troféu mais cobiçado é o gol. Todos eles têm um lugar em comum, a Vila mais famosa de todos os planetas, a Vila Belmiro. Onde o raio não tem limites para cair. O futebol não nasceu no Brasil, mas o escolheu como sua pátria-mãe.

Esse planeta chamado bola tem um idioma próprio, onde se aprende a falar no papo de boleiro. Quem sabe falar bem esse idioma se comunica com o mundo todo. Fala para o universo. Aonde tem uma bola tem movimento. Aonde tem movimento tem vida. E aonde tem vida, ali Deus estar. As divindades que criaram o planeta bola fizeram caprichosamente uma inversão de valores. Quebraram o paradigma classista das ciências e das religiões e das ideologias. Eles quiseram mostrar que a inteligência, a genialidade, a magia e a arte, o encanto e a fama, são carismas dos ser humano. De qualquer ser humano. Não são privilégios da gente branca, rica e que faz faculdade. O planeta bola gosta de revelar talentos escondidos, promover vilas anônimas à cidades mundialmente conhecidas. Quem já foi visitar, por exemplo, as cidades de “Pau Grande” no Rio de Janeiro, onde nasceu Mané Garrincha, ou a cidade de “Três Corações” em Minas Gerais, onde nasceu Pelé? Certamente muita gente não foi, mas quem ainda não ouviu falar delas? Quem nunca chutou uma bola na vida? Talvez quem nunca cantou, mesmo que um “pedacinho”, de uma música de Luiz Gonzaga, como: “Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João, Eu perguntei: Ah, meu Deus do céu, ai. Por quê tamanha judiação.” ou de Roberto Carlos, “Bom no pé, deita e rola. Ele é mesmo bom de samba e de bola, que beleza de mulher que se vê, no meu país. É Brasil, é brasuca! Esse cara bom de papo e de cuca. Tiro o meu chapéu, peço bis pro meu país”. Enfim, o planeta bola é o nosso planeta.

A copa este ano é nossa e a julgar pelas reações positivas da população brasileira, nós também somos da copa. Se o Brasil já é um celeiro de craques, artistas da bola, a copa o transforma em um grande estádio, sem arquibancada e sem banco de reservas, porque somos todos/as titulares. Todos e todas, porque não nos esqueçamos de que as mulheres brasileiras também reinam no planeta bola. Marta é uma Deusa de primeira grandeza no olimpo de divindades deste planeta. Já não parecemos mais tão influenciados pelo consumismo comum a estes momentos. Já conseguimos distinguir o ato de torcer do ato de comprar. É certo que ainda impera certa arrogância de uma minoria solitária, expressão de um ateísmo amorfo e com alguns excessos, inclusive de certezas, que insiste em vê alienação na manifestação de uma paixão nacional, que expressa uma brasilidade jamais expressada, com esta intensidade, de outra forma. Ouso dizer que é a partir do futebol que nosso povo expressa mais genuinamente a sua fé. Porém, conforme podemos verificar, o planeta copa é o vizinho mais próximo o planeta música, especialmente do gênero samba. Não me lembro bem de que ano, mas um Samba Enredo de um destes carnavais nos dizia, “Pra frente é que se toca a bola e a bola rola, trazendo emoção. É a velha garra brasileira hasteando a bandeira de um país de campeão”. Uma de nossas lutas é exatamente formar consciências de um país de campeão.

O que temos em jogo, antes, durante e depois da copa, é provar para quem duvidar, que nós somos capazes de organizar um dos maiores espetáculos da terra, fazer acontecer um eclipse com alcance mundial, e fazê-lo bem feito. Inclusive autossustentável e lucrativo. A copa se paga e, além do legado extraordinário que vai deixar, dará lucro e, inclusive fará crescer o senso crítico e a consciência política de nosso povo.

Curitiba-PR, 06 de junho de 2014.

João Santiago: Teólogo, Poeta e Militante. Mestre em Teologia e autor do Livro: “Gamela de Pedra” entre outros. À venda com o autor. É voluntário da copa e torcedor “Bem Acostumado” com o futebol-Arte dos ”Meninos da Vila, geração I, II e III.