De quando é a fotografia?

De quando é a fotografia?

            Uma das coisas que mais nos tem deixado desnorteado é o tempo. Não que em algum momento histórico de nossa espécie tenhamos entendido ou dominado o tempo. Não, o tempo ninguém domina, o tempo é senhor de si, se autogere e não depende nem precisa de nós.  Mas o tempo atual parece mais apressado, chegando a um ritmo que nós não o podemos acompanhar. Por isso vivemos olhando fotografias, sempre de outro tempo e que não nos mostram mais a realidade atual, mas antigas realidades passadas. Em tempos de face book, twitter, chat e que o e-mail, apesar de 75% dos lares brasileiros não terem internet, já está obsoleto, ainda nos orientamos por antigas fotografias.

            É por isso que quase todos/as na Igreja do/a catequista ao bispo acham que as CEBs não existem mais. Olham-nas numa fotografia da década de 60/70 do século XX e não as reconhecem mais. Ainda tem uma agravante que é o fato de olharem pelas lentes da Igreja, que anda em ritmo próprio e não acompanha as mudanças do tempo. Tem a Igreja tridentina na cabeça e não cabe outro jeito de ver a Igreja. É certo que no essencial, na sua estrutura e na sua doutrina pouco mudou de fato da Igreja de Trento, mas tudo o mais mudou e mudou muito. O futebol, a política, o trânsito, a escola a família, a ciência, enfim, nestes últimos cinquenta anos quem não mudou ou perdeu a validade, a identidade ou tem muita força de dominação. As CEBs são como passarinhos, cantam o mesmo canto em todas as primaveras, mas não Põem os ovos duas vezes no mesmo ninho. Cada geração merece seu ninho, sua linguagem, seu jeito próprio, tem o direito de ser do seu jeito para que a fé, que é o essencial, se mantenha inabalável.

            São muitos os que vivem também na melancolia ideológica, no saudosismo mofado, dizendo que PT não existe mais, que isto que aí está não é mais o PT, só porque ele agora age como um adulto de trinta e três anos e não mais com uma criança de cinco ou dez anos ou adolescente treze anos. Olham o PT numa fotografia congelada dos anos oitenta do século passado. Por isso não o reconhecem. Aquele moleque que ia para a escola e jogava pedras nas janelas da ditadura, roubava rosas nos quintais da burguesia que a financiava, para oferecê-la à namoradinha que se chamava liberdade, hoje é adulto, governa o país a um terço de sua existência e já não tem mais tempo para traquinagens. Governa e bem o seu país, e, além disto, é referência para muitos outros países que o convidam para lhes ensinar como combinar democracia com desenvolvimento humano social e econômico. O PT teve como referência na sua formação muito mais os erros dos outros do que algum acerto. Ele ia para escola e fazia suas traquinagens sozinho, porque não haviam outros moleques contemporâneos que o fizessem companhia. Se olharmos com olhar curioso, e se olharmos a fotografia em seu tempo real, veremos que o tempo para ele tem significado próprio.

O PT faz numa década o que se espera de um século. Isto tem algo de misterioso ou mais do que isto tem algo de sabedoria, porque os grandes e poderosos jamais o compreenderam, assim como os arrogantes, o que dá quase no mesmo, mas os pequeninos o entenderam como revelação, para usar uma passagem bíblica. Foi assim que os pobres, os deserdados da terra, para usar um termo de Paulo Freire, deram sustentação ao governo do presidente Lula e continuam dando ao governo da presidenta Dilma. O povo tem sabedoria e sabe olhar e discernir entre uma fotografia real e um fotoshop. O PT tem sido capaz de envelhecer sem ficar velho, de ser adulto com responsabilidade sem renunciar aos encantos da infância e juventude.  

Hoje fui à missa de ramos e cheguei atrasado, a Igreja aonde fui estava lotada, com gente na calçada, onde fiquei a maior parte do tempo. Foi a primeira vez que assisti à missa do lado de fora, lá nasceu a ideia deste texto. Como estava com algumas dores na coluna, sentei algumas vezes no muro para descansá-la e pude acompanhar uma cena inesquecível! Quatro meninas de mais ou menos seis ou sete anos, num diálogo lidíssimo, cujo conteúdo seria além de antiético impossível de relatar aqui, mas que jamais esquecerei. Era uma liturgia verdadeira, uma homilia real, coisas que só as crianças ou os/as que a elas se assemelham praticam ou entendem. De repente a celebração é interrompida por um senhor adulto que carregava numa das mãos um cesto com a coleta da missa. Dirigiu-se às meninas e disse-lhes em tom meio sarcástico, “a paz irmãzinhas cansadas”. Presumi que foi pelo fato de, como eu, elas estarem sentadas. Olhou para o meu lado, afastou de mim o cesto com o dinheiro e disse-me, “a paz, meu irmão, há quanto tempo não o vejo”. Eu lhe respondi, a paz de Jesus.  Era o coordenador da catequese que provavelmente olhe para a Igreja e para a catequese, assim como para as crianças, a partir de uma foto de antes 1545-1563 quando aconteceu o Concílio de Trento. Pensei em dizer-lhe também não o vejo, aliás, nunca o vi nas pastorais, nem nos encontros de carrinheiros, nem nos encontros de Economia Solidária, nem nas associações, nem nos cursos de teologia, nem em lugar nenhum, mas sorri pra ele apenas.

Fiquei com aquelas lembranças que certamente me acompanharão por muito tempo. Primeiro porque, a paz que ele nos desejou não tinha nome e pelos gestos rústicos e pela forma agressiva, estava mais para a Pax Romana que para a paz de Jesus. A Pax Romana é gerada pelas armas, pelo autoritarismo do império romano. A Paz de Jesus é fraternidade-amor, é gesto de verdadeiros irmãos. Mais uma forma de olhar a fotografia amarelada pelo tempo e querer ver a realidade. Na catequese isto faz com que se ensinem pensamentos prontos invés de se ensinar a pensar. Se ensine a obedecer invés de se ensinar a amar. Se ensine a seguir o Jesus idealizado que preenche nossas cabeças e por vezes obstrui as veias do nosso coração e não aquele Jesus de Nazaré, que preferia as crianças e está bem fotografado nos evangelhos. Que quer a caridade e não o sacrifício. Esse é o Jesus que sabia ouvir, era misericordioso e que não cabia na Pax Romana, formalista, ritualista e que o matou. Quando fazemos da Pax Romana parecida com a Paz de Jesus, estamos matando-o de novo, só que agora em seu próprio nome. Quando olhamos uma fotografia de ontem e vemos o hoje, não há problema com a fotografia nem com tempo, mas conosco. Ainda, não é porque não a vejo que uma coisa não existe.

 As CEBs, assim como o PT, mudam todo dia, mas para continuarem com a mesma importância e com a mesma vocação. Ambos são impossíveis de serem ignorados, para isto, basta olhar a fotografia certa, do jeito certo, com a lente certa e na época certa. O fato de negarem suas existências pode ser exatamente à prova de que estão ativos. Alías, ainda na missa, vi um jovem rapaz, encostado no batente da Igreja, acompanhado da namorada, numa alegria típica, e que vestia uma camisa do Corinthians. Na manga tinha uma foto da taça da libertadores. Pensei, caramba, ponte que partiu, o SANTOS, tem três taças destas, jamais matou ou brigou com alguém por isso, ao contrário, parou uma guerra por algumas horas, e eu nunca vi uma camiseta do SANTOS com a taça assim.

Curitiba, 24 de Abril de 2013. João Santiago. Teólogo, Poeta e Militante.

[email protected]