O Profeta da Chapada - Jackson Antero

O PROFETA DA CHAPADA:

Jackson Antero 02/07/1966 – 13/11/2012.

Viver e Não Ter Vergonha de Ser Feliz

   “Mudar seu rumo e procurar seus sentimentos
Vai te fazer um verdadeiro vencedor
Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos
Numa canção que fala muito mais de amor”.

                                                                                                                                        (Roberto Carlos)

            Entre tantas pessoas que conheci, enquanto andava servindo a este país, trabalhando no Gabinete Pessoal do Presidente Lula, o professor Jackson Antero está entre as que me marcaram. Filho da cidade de Farias Brito, a aproximadamente 35 quilômetros de Juazeiro do Norte, porção da boniteza que forma o Cariri cearense, Farias Brito tem motivos para orgulhar-se deste seu filho querido. Vemo-nos não mais que por três vezes, mas nos encontramos mutuamente. Ele era um homem simples, vocacionado Servidor Público, amante apaixonado da Natureza e da Chapada do Araripe e de suas Fontes, especialmente. Um petista convicto, mas petista à moda antiga. Tinha uma causa e lutava por ela e era capaz de ser solidário. Lutava com convicção. Para ele companheiro não perdeu o lugar para aliado. Era um Militante apaixonado, intolerante com a corrupção e transpirava esperança. Jamais legislava em causa própria. Um admirador, como eu, do Presidente Lula. Acreditava em sua forma visionaria, e, como eu também se orgulhava das fotos tiradas ao seu lado. O presidente o conhecia e sabia de sua história, assim como de sua postura honrada e ética. Era um petista nato.

            Era intransigente no cumprimento das leis que protegem a Natureza e a Vida, mas sem arrogância. Sabia ser sério no agir, duro nas palavras, sem ser cruel na forma. Era um homem pautado pelo senso de justiça e de amorosidade, qualidades que dizia encontrar e admirar em nosso presidente. Como todo Profeta, em todos os tempos, acumulou desafetos, de quem sofreu incompreensões, perseguições, ameaças, mas, até destes, tinha o respeito e o reconhecimento. Amava uma boa conversa. Sabia conversar e era um excelente conversador. Daqueles que sabem também ouvir. Já o conheci numa cadeira de rodas e a tinha como a maior testemunha de suas dores. Pude acompanhá-lo, numa noite quente e alegre de 2008 durante um comício de Zé Leite em Barbalha. Vi em sua liderança, o quanto as pessoas o amavam. A cada segundo alguém se aproximava e o cumprimentavam, todas/os queriam saber sobre sua saúde, faziam-lhe recomendações. Ele atendia a todas/os sem resistência, ao contrário, fiquei impressionado com a sua paciência, atenção e memória para lembrar-se das pessoas e dos fatos. Na maioria das vezes ele as tratava pelo nome e tecia comentários comigo depois, demonstrando conhecer detalhes da vida e da luta daquela pessoa. Muitas vezes ele esteve junto com elas em atividades e as relatava. Dizia com certa freqüência: isto era quando o PT fazia estas coisas. Trabalho de base, formação, manifestação popular, mobilização, reivindicação, etc. isto que a RECID faz, mas hoje, são outros tempos.

            Fui apresentado a ele por dois grandes amigos, meus e dele. Pedro Torquato, um também Profeta, técnico em meio ambiente, ambientalista fundador e coordenador da ONG Kariris Ambiental, em Caririaçu, próximo a Juazeiro do Norte. Pedro encontrou em Claudete a mulher que todo homem sonha encontrar na vida. Amiga, companheira, corajosa, confidente, solidária, e cúmplice, mulher. E o outro é o também meu amigo e irmão, Canário do Cariri, Educador Popular e Militante, João do Crato. Intérprete dos grandes clássicos da música Nordestina. João do Crato é um amante da cultura, da arte e do chão Nordestinos, dono de uma voz privilegiada interpreta Marinês, no show intitulado, “Tributo à Marinês”, e também Gonzagão, especialmente no show, “Alvíssaras ao Rei do Baião”, por ocasião do seu centenário, como poucos. São homens de caráter, sabem chorar e sabem sorrir sem ter que dá explicação. Homens que sabem amar e amam sem medo de parecerem fracos. O professor Jackson fazia parte desde a fundação da ONG Kariris Ambiental. Sempre foi um incentivador e apoiador presente e participativo. Inclusive quando Pedro Torquato sofria pressões e ameaças, inclusive de morte, por combater os lixões na região do Cariri, por denunciar a contaminação das fontes da chapada e anunciar a Coleta Seletiva do Lixo, como forma de proteção da vida e de amor à Natureza. Pedro, Claudete, sua esposa, e João do Crato, entre tantas outras pessoas, sentirão demais a sua falta. O professor Jackson Antero, encantou-se, foi convidado para cuidar da ecologia celeste, de onde certamente continuará cuidando também do Cariri, da Chapada e do Brasil. Conforme a nota de pesar da URCA,

É com enorme pesar a que venho manifestar à comunidade acadêmica  e regional que o amigo e dedicado professor da URCA, do Curso de Geociências, FRANCISCO JACKSON ANTERO DE SOUSA, faleceu no dia 13 de novembro de 2012, em consequência de complicações no quadro frágil de saúde que o impossibilitou de suas atividades docentes nos últimos dois anos  (José Patrício Pereira Melo  Reitor em Exercício da URCA).

Foi João do Crato quem me fez conhecer Pedro Torquato. Falava tanto e tão apaixonadamente dele que eu já o admirava e o amava antes de conhecê-lo pessoalmente.

Conheci o professor Jackson Antero, em Caririaçu, uma bela cidade aos pés da Chapada do Araripe, onde ambos assessorávamos o Encontro Microrregional da Rede de Educação Cidadã – RECID, nos dias 19 e 20 de Setembro de 2008, cuja acolhida e organização era de Pedro e da Kariris Ambiental. Fui surpreendido com suas palavras sempre generosas elogiando minha fala sobre Educação Popular e Trabalho de Base. Meu tema era a Educação Popular e o Trabalho de Base e minha tarefa era fazê-lo enquanto apresentava a RECID. Almoçamos juntos, outro dia, Pedro, João, Jackson e eu, às margens do açude UMARI, no município do Crato, onde conversamos longamente. O professor Jackson Antunes é daqueles homens que não se encontra mais de um na mesma geração e no mesmo lugar. Era possível vê-lo nas palavras que saiam de sua boca, nas expressões de seu corpo ao falar, no tom da sua voz e na ternura do seu olhar. Era de uma originalidade rara. A sua fala e a sua ação moravam no mesmo endereço, dormiam e acordavam juntas e a sua teoria era alma gêmea de sua prática. Dançavam no mesmo ritmo e cantavam a mesma canção. Para honra dos dois muitos o chamavam, “O Chico Mendes do Cariri”, por sua ação em defesa da natureza. Com ele pude ler com um gosto especial de realidade o livro “Cartas à Guiné Bissau”, de Paulo Freire. Entender o conceito de Liderança Revolucionária, ali cravado por Freire na figura de Amílcar Cabral. Era um momento de conflitos para mim, porque eu via e vivia aquelas exigências freireanas como condição para que a RECID desse o passo que deveria dá e não começasse a andar em círculos, fazendo da Educação Popular uma espécie de rotatória. De certa forma foi o que vi acontecer em seguida, se não generalizadamente, mas predominantemente. Nem uma prática concreta, nem uma teoria com sustância de conteúdos e métodos, já que uma não existe sem a outra. A fragilidade de comando e a desatenção dos conceitos de liderança, de autonomia e de liberdade, descaracterizaram o projeto. Assim, para não enfrentar o moralismo da sociedade, aborta-se clandestinamente a criança e o Sacramento sobrepõe-se ao Sagrado. Ainda se incrimina muitas vezes a mãe. Assim Paulo Freire vira modelo a ser seguido, torna-se ponto de chegada e não ponto de partida. Tudo o que El não quer ser. A vida e os projetos de libertação são recheados destes fatos. Abrir mão de vaidades, de alguns medos e conveniências e deixar-se morrer como dominador para renascer como revolucionário. Assim era o professor Jackson Antero. Assim é a pedagogia libertadora de Paulo Freire.

Este é o grande parto feito em mutirão, de que fala Mao Tse Tung, feito coletivamente; assim é a maiêutica socrática; o saber de experiências feito de Camões; a conversão em curso, para os cristãos; a metanóia  dos gregos antigos; tudo isto é o que separa e distingue  um/a militante de um/a assessor/a, um/a professor/a de um/a mestre/a, um profeta e uma profetiza de um/a simples portador/a - transmissor/a de recados. Mudar, como nos diz Paulo Freire, exige correr riscos. Correr riscos não é algo que se possa esperar, em sã consciência, de quem ocupa cargo de confiança. O professor Jackson Antero sabia essas diferenças. Convivia diariamente com elas. Prometemo-nos encontrarmos para pensarmos – eu lhe disse, pensar certo é agir certo, para Paulo Freire – uma ação juntos, que nos envolvesse em torno da Ecologia, da cultura e da Educação Popular. Envolveríamos a URCA, a RECID e a Kariris Ambiental. No final ele disse: e quem mais acreditar na nossa proposta. Não cumprimos estas promessas, talvez João do Crato, Pedro Torquato e eu ainda possamos retomar estas conversas. Ele, certamente estará presente.

O professor Jackson Antero tinha um gosto musical parecido com a sua opção de vida. Gostava de ouvir e de cantar, me disse Pedro Torquato, a Música, “As Baleias” de Roberto Carlos. Esta música foi cantada na celebração em virtude do primeiro mês de sua partida. A melhor forma de fazer as pessoas amadas e que a gente admira, continuarem vivas, ao nosso lado, é continuarmos a luta que elas lutavam, acreditando nas coisas e nas causas que elas acreditavam. Portanto, para os/as amigos/as do professor Jackson Antero, como Pedro Torquato, João do Crato eu e tantos/as outros/as, isto significa, defender a vida em todas as suas formas e com todas as nossas forças. Especialmente, para nós caririenses, continuarmos a luta dele para proteger a Chapada do Araripe, suas gentes, suas fontes, seus pássaros, seus rios, suas arvores e toda sua boniteza. Sobretudo, por fim, é combater a cultura da morte em forma de corrupção dos recursos públicos e lutar pela ética na política. Acreditar no ser humano e ser cada vez mais humano, nas relações, nas praticas educativo-militantes. Professor Jackson Antero, fique em paz, mas não se afaste muito de nós, espiritualmente continuamos juntos. E sua presença é real, no legado que você nos deixou. Uma reserva moral, uma referência ética e um exemplo de vida. Sobretudo, seus quatro filhos terão muito de que se orgulhar conhecendo a sua história. Nós agradecemos a Deus pelo convívio destes encontros, destes anos, desta vida. Encontraremo-nos qualquer dia desses, qualquer hora dessas, e nosso encontro será sempre uma grande alegria. A eternidade, em sua plenitude é a expressão máxima do amor como caminho da liberdade. A nossa luta continua, companheiro!   

Curitiba, 13 de Dezembro de 2012.

João Santiago. Teólogo Poeta e Militante.

Mestre em Teologia pela PUCPR.

É autor do livro:

“O Menino do Cariri – O Poeta do Brasil.

Entre outros.